UM JARDIM BOTÂNICO EM SÃO CRISTÓVÃO

No detalhe do mapa, centro, lemos JARDIM BOTTÂNICO e PRATA
 
 Thiago Fragata*

Qual o lugar exato onde funcionou o antigo Jardim Botânico de São Cristóvão? A questão partiu do saudoso amigo Professor Soutelo (1949/2022), durante uma visita de cortesia ao seu gabinete na Biblioteca Pública Epifhânio Doria, idos de 2004. Havia iniciado a produção acadêmica sobre São Cristóvão, como aluno de História, e demonstrava grande entusiasmo em pesquisar minha cidade natal quando firmei amizade com ele, Luiz Fernando Ribeiro Soutelo, intelectual de grande conhecimento acerca da História de Sergipe. Recordo que, na ocasião, o amigo abriu uma cópia ampliada do mapa de Pinxit Gonnet, de 1826. Então apontou seu indicador para expressão Jardim Bottanico, na área correspondente a capital da província. (1) Como já embalava a empáfia de topar desafios, falei na despedida que se o jardim botânico existiu com certeza localizaria. Nesse texto desvelarei o caso sherlockiano.

Quatro anos depois, 2008, encontrei o lugar onde funcionou o Jardim Botânico de São Cristóvão: Mata da Prata, no bairro Jardim, da Cidade Baixa. Verdade que a toponímia (nome do lugar) deu uma ajudinha. De visita ao meu pai, no bairro Avenida, realizei caminhada para o famoso banho na bica da pratinha, afim de rememorar tempo de menino. Então bati os olhos na placa RUA DO JARDIM, daí pensei “rua de acesso ao jardim”, lancei novo olhar por cima dos telhados e avistei palmeira imperial com palhas acenando na força do vento. Fui tomado por uma certeza inquebrantável, abandonei hipóteses. Tudo por conta desse alinhamento de informações.

A palmeira real vislumbrada naquela tarde, tinha uns 25 metros de altura, foi cortada tempo depois, um crime. Pouca gente sabe mais a espécie não é da região, nem mesmo desse país.  Ela pode atingir 50 metros de altura. Originária das Antilhas, é também conhecida como Palmeira Caribenha e Palmeira Real Sulamericana. D. João VI plantou, em 1809, a primeira palmeira trazida das Antilhas, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Batizada com o nome de “Palma-Master" ela findou-se em 1972 (por conta de um raio), 163 anos depois! Atente a longevidade da espécie, ou seja, possivelmente aquela palmeira que “acenou pra mim” era do tempo do Jardim Botânico de São Cristóvão! Será?!

Não recordo como meu “achado” repercutiu na Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMARH), que logo orientou manter caso em segredo. A Mata da Pratinha era de propriedade particular, daí que sua liberação visando um projeto de interesse público demandaria possível negociações sem o alarde do valor histórico. O Governador Marcelo Deda gostou da novidade e logo abraçou projeto que envolveu dois políticos de São Cristóvão, Wanderlê Dias Correia e Marcos Santana de Azevedo, ambos com passagem pela SEMARH. Os estudos técnicos do setor ficaram com Valdineide Santana, quem compartilhei toda a minha pesquisa.

O antigo Horto ou Jardim Botânico de São Cristóvão, capital da Provincial de Sergipe, foi um projeto do Governo Manuel Clemente Cavalcante de Albuquerque, inaugurado em 1824. Naquele contexto, a orientação emanada do governo imperial repetiu-se em Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Pernambuco. Dotar as capitais dessas instituições era mais que equiparar-se ao Rio de Janeiro, capital do Império, em modernidade e requinte.  Havia também um interesse econômico estratégico de pesquisar e produzir espécies, especiarias, por exemplo. Imagine que Inglaterra dominava a produção e o comercio mundial de chás. Sim, o jardim Botânico de São Cristóvão, dedicou-se ao cultivo de ervas para chás. A informação depreendi dos recibos de pagamento de seus trabalhadores.

Essa política de fomento a criação de jardins botânicos na primeira metade do século XIX mascara um interesse econômico do Governo Imperial a medida que incentivava “a transplantação e aclimatação de espécies economicamente valiosas” (2) e prometia aos Presidentes de Província “prêmios e isenções fiscais para os introdutores e cultivadores de plantas de especiarias”. (3) O sigilo dessas experiências governistas ou talvez a brevidade do jardim botânico que outrora existiu em São Cristóvão, na então Província de Sergipe D’El Rey, talvez justifique as raríssimas informações compulsadas.

Na Europa do século XVIII, o caráter utilitarista da natureza havia sido exaltado pelos iluministas, especialmente os fisiocratas que reputavam a agricultura como sustentáculo da economia mercantil. Esse entendimento renovou a ciência e, de certa forma, reorientou as ambições do Estado português que tentou aclimatar e reproduzir especiarias nas colônias. Os trabalhos dos naturalistas Domingos Vandelli (1735-1816) e Manuel Arruda da Câmara (1766-1811) tematizam a criação de jardins botânicos, a transplantação de espécies exóticas e sua relação com as nativas, adaptação a terra, ao clima e a latitude. (4).

Infelizmente, o empreendimento do governo provincial sergipano não prosperou, muito pelo contrário. Ao final do segundo ano, duas tragédias inviabilizaram sua continuidade. Primeiro, uma grande cheia no rio Paramopama levou de enxurrada todas as plantações. Segundo, o Governador Manuel Clemente Cavalcante de Albuquerque, seu principal incentivador, faleceu, em 2 de novembro de 1826.

Por ironia ou coincidência, a morte do Governador Marcelo Deda, em 2 de dezembro de 2013, encerrou o projeto da retomada do antigo Jardim Botânico de São Cristóvão. Essa é minha avaliação. Eu havia abandonado as discussões do grupo de trabalho misto, que envolveu professores da Universidade Federal de Sergipe, quando decidiram que o novo jardim botânico de Sergipe não seria mais na Mata da Pratinha em razão das fatídicas cheias de inverno, mas nas imediações do rio Pitanga. Hoje, a Mata da Pratinha continua a servir a comunidade seja com seu manancial de águas límpidas, seja com uma natureza exuberante e aprazível. Ela esconde no solo, um patrimônio natural que remonta o Jardim Botânico além de ruinas de barragem e canalização de águas que serviu a antiga Fábrica Sam Christovam.

 

*Texto dedicado ao amigo LUIZ FERNANDO RIBEIRO SOUTELO (1949-2022) 

 


*Thiago Fragata é professor, historiador e multiartista. Texto integra o inédito Cronicário das memórias – São Cristóvão/SE. Publicado no JORNAL DA CIDADE. Aracaju, 19 de agosto de 2025, p. 2. E-MAIL thiagofragata@gmail.com

Fontes da pesquisa: 1 - PRADO, Ivo do. A Capitania de Sergipe e sua ouvidorias: memoria sobre questão de limites (Congresso de Bello Horizonte). Rio de Janeiro: Papelaria Brazil, 1919; 2 - PRESTES, Maria Elice Brzezinski. A investigação da natureza no Brasil colônia. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2000, p. 122; 3 - ALMEIDA citado por PRESTES, obra citada, p. 122; 4 - PRESTES, obra citada. O “Discurso sobre a utilidade da instituição de jardins botânicas nas principais provinciais do Brasil”, de Manuel Arruda, foi publicado em 1810.




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