Manoel D'Almeida Filho |
Antônio
Wanderley de M. Corrêa**
Manoel
D’Almeida Filho nasceu em Alagoa Grande/PB em 13 de outubro de
1914, filho dos agricultores Josefa Pastora da Conceição e Manoel
Joaquim D’Almeida. Somente aos oito anos, o pequeno Manoel conheceu
a cidade. Provavelmente em um dia de feira, quando encantou-se com
algum folheteiro, declamando ou cantando versos em meio a uma pequena
multidão de curiosos e aficionados pelas novidades fantásticas da
Literatura de Cordel.
Naquele
momento, no início dos anos 1920, ao ter o primeiro contato com
folhetos de Cordel, procurou alfabetizar-se com os mesmos. Aliás, os
folhetos de Cordel vendidos nas feiras, mercados, praças e estações
ferroviárias, foram por muitas décadas do século 20, as cartilhas
de alfabetização autodidata de milhões de sertanejos nordestinos.
Já
na adolescência, Manoel versava as histórias de Trancoso contadas
por seu pai.
Em
1936, com 22 anos, trabalhando como operário em João Pessoa/PB,
publicou o seu primeiro folheto inspirado em um caso polêmico
ocorrido na época no interior do seu estado natal: “A Menina que
Nasceu Pintada, com Unhas de Pontas e Sobrancelhas Raspadas”.
[Vilma Mota Quintela. “Manoel D’Almeida Filho”.
www.casaruibarbosa.gov.br/cordel].
O
sucesso do primeiro poema animou o jovem Manoel que, resolveu
dedicar-se inteiramente à poesia popular e ao ofício de editor e
vendedor dos livretos de Cordel. Assim, passou a escrever febrilmente
e a editar folhetos (imprimindo em papel barato em pequenas
tipografias manuais) e vende-los em feiras do interior da Paraíba e
de Pernambuco.
Como
folheteiro ambulante, teve contato com violeiros e cantadores
sertanejos, dos quais buscou inspiração para suas obras escritas e,
por algum tempo, tornou-se também um deles. Mas foi como poeta de
bancada que edificou sua monumental obra literária.
Naquelas
andanças, conheceu em Recife/PE o grande editor João Martins de
Athayde, que comprou os direitos de publicação da obra do ‘Pai do
Cordel’ Leandro Gomes de Barros.
Em
1940, Manoel D’Almeida (com 26 anos) foi morar em Aracaju, fixando
residência definitiva [Depoimento do próprio poeta gravado em vídeo
em 1993, citado por Quintela].
Durante
cinco décadas, vendeu folhetos de Cordel no Mercado Antônio Franco.
Sua banca ficava na parte externa, no lado defronte ao Mercado Thales
Ferraz. Na maior parte da sua longa estadia em Aracaju, residiu no
Bairro 18 do Forte [Depoimento de Joelson Cabral a este autor em 09
set. 2014. Joelson é proprietário da Banca do Cordel “João
Firmino Cabral” situada no Mercado Antônio Franco].
Nos
anos 1950, tornou-se respeitado e famoso pela sua obra que crescia em
quantidade e principalmente em qualidade. Pelo menos entre os
cordelistas, editores e leitores daquele gênero literário. Sim,
porque infelizmente a grande maioria dos poetas cordelistas são
completamente desconhecidos ou desprezados pela chamada “grande
mídia”, pela crítica literária e pelo grosso da população
brasileira.
O
ano de 1955 foi marcante para o nosso poeta. Ele começou a publicar
as suas obras pela Editora Prelúdio de São Paulo, atual Luzeiro,
que é a maior editora de folhetos de Cordel do Brasil. Além de
autor, Manoel tornou-se selecionador e revisor de textos da editora
paulistana até os anos 1990. Pela Prelúdio/Luzeiro, o cordelista de
Alagoa Grande publicou cerca de 200 títulos. A maioria de romances
de amor e sofrimento, romances de encantamento, aventuras sertanejas
e histórias envolvendo o cangaço.
Ainda
em 1955, junto com Rodolfo Coelho Cavalcante, organizou em
Salvador/BA o Primeiro Congresso de Trovadores e Violeiros do Brasil.
Para
o cordelista Marco Haurélio, Manoel D’Almeida “reivindicou para
o cordel um espaço na literatura brasileira combatendo os estudiosos
que viam no gênero apenas poesia parafolclórica” [Literatura de
cordel: do sertão à sala de aula. Marco Haurélio. São Paulo:
Paulus, 2013. p. 100].
Suas
obras mais famosas são: Vicente o Rei dos Ladrões, Josafá e
Marieta, A Luta de Zé do Caixão com o Diabo, A Briga de São Pedro
com Jesus por Causa do Inverno, Rufino o Rei do Barulho, Padre Cícero
o Santo do Juazeiro, Jesus Cristo e o Mestre dos Mestres, A Mulher
que Enganou o Diabo, Os Três Conselhos da Sorte, Gabriela, Jesus e o
Homem do Surrão Misterioso, A Troca das Esposas e Os Cabras de
Lampião. Este último, considerado a sua obra prima, foi publicado
em primeira edição em 1965, contendo 652 estrofes de seis versos.
Na apresentação do folheto, a Editora Luzeiro afirma que
“indubitavelmente, é a melhor biografia em versos sobre o famoso
cangaceiro”.
Manoel
D’Almeida é autor do mais longo poema em versos de Cordel já
escrito: “O Direito de Nascer”, com 719 estrofes. Aliais, em
número de versos, a sua obra é a mais extensa da poesia popular
brasileira.
Foi
fundador da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, sendo o
patrono da cadeira 20.
Na
biografia do poeta no folheto “A Briga de São Pedro com Jesus
...”, a Luzeiro afirma sem arrodeio que ele é “considerado o
maior poeta da literatura de cordel de todos os tempos”. E em todos
os folhetos de sua autoria, aquela editora argumenta: “seu renome
se deve, não à quantidade de suas obras, mas à qualidade, pois são
sempre muito inspiradas e caracterizadas pela correção da linguagem
(...) luta pela atualização e correção da literatura de cordel”.
Afirma ainda que “(em Aracaju) exerce salutar influência sobre um
grupo de bons poetas da região”.
Em
sua “salutar influência” sobre jovens interessados em versarem
poesia de Cordel, destacou-se um garoto itabaianense de 17 anos: João
Firmino Cabral que, em medos dos anos 1950, lhe pedira para vender
folhetos no interior. Manoel lhe entregou uma mala com 400
exemplares. O garoto Firmino foi para Itabaiana e outras cidades do
agreste sergipano e vendeu tudo rapidamente. Dalí em diante,
começava uma grande e duradoura amizade entre o já consagrado poeta
paraibano e o garoto. Em uma de minhas conversas com este, o mesmo me
falou emocionado: -Ele foi um mestre e um pai para mim! [Depoimento
de João Firmino Cabral ao autor em meados de 2006]. Firmino
tornar-se-ia seu discípulo mais devotado e, com o passar do tempo,
outro grande nome, verdadeiro ícone do cordelismo sergipano.
Os
fatos aqui expostos demonstram que Manoel D’Almeida Filho não foi
somente um grande poeta, folheteiro, editor, selecionador de textos
de editora e fazedor de discípulos. Foi também um militante e
articulador. Lutou por quase toda a vida pelo reconhecimento da
Literatura de Cordel por seus contemporâneos. Por este conjunto
monumental, pela enorme qualidade criativa de sua obra, pelo seu
poder de articulação e de arregimentação e a por sua luta
deliberada e obstinada em colocar a Literatura de Cordel em destaque
no cenário cultural brasileiro, o fizeram maior nome do cordelismo
de Sergipe, quiçá do Brasil.
Durante
a grave crise econômica do final dos anos 1980 e início dos anos
1990, quando a Luzeiro passava por momentos críticos, o velho poeta,
com quase 80 anos de idade escreveu uma carta emocionada ao seu
compadre e proprietário daquela editora Arlindo Pinto de Souza,
receando o fim da Luzeiro e da própria Literatura de Cordel [Marco
Haurélio. Breve Histórico da Literatura de Cordel. São Paulo:
Claridade, 2010. p. 80]. Nascido em 1914, teve o seu centenário
pouco comemorado.
Nosso
cordelista maior faleceu em Aracaju de enfisema pulmonar no dia oito
de junho de 1995. Segundo Marco Haurélio “seu desaparecimento
(...), deixou uma lacuna impossível de ser preenchida”.
Meu
otimismo inveterado e alguns fatos subsequentes me levam a pensar
diferente. Manoel D’Almeida teve sucessor à altura. Com a morte
dele, João Firmino Cabral agigantou-se com a sua obra também
monumental. E hoje, assistimos com enorme satisfação o trabalho de
aguerridos cordelistas, moços e outros não tão moços assim,
produzindo em qualidade e em quantidade, divulgando o Cordel em
eventos, nos meios de comunicação, nas redes sociais, nas escolas e
em outros espaços. Bem como o revigoramento da Luzeiro e o
surgimento de outras editoras especializadas no gênero, a exemplo da
Tupynanquim de Fortaleza/CE e da Coqueiro de Recife/PE.
Como
acontece por quase todo o Brasil, na terra adotiva de Manoel
D’Almeida Filho, o Cordel vive um bom momento. E dias melhores
virão. O trabalho desbravador de alguns poucos abnegados trouxe seus
frutos.
* artigo publicado no JORNAL DA CIDADE. Aracaju, 8 de novembro de 2014.
**
Licenciado em História pela UFS, professor das redes pública
estadual (SEED) e municipal de Aracaju (Semed), coautor de livros
didáticos regionais e cordelista.
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