Gradil importado, da Casa do Barão de Estância, chegou via Porto das Pedreiras. Foto - Samuel Albuquerque 2013 |
Thiago
Fragata**
Tenho
refletido a respeito de uma ruína submersa na Barra da cidade de São
Cristóvão (confluência dos rios Vaza-barris e Paramopama), que os
pescadores batizaram de “Sombra da Pedra” e gestaram uma
mitologia ribeirinha. Já falei do mero gigante, um magnífico
exemplar da megafauna marinha, ele virou estória de pescador. Também
especulei a possibilidade de haver, no referido lugar, ruínas do
antigo “Fortim de Sergipe Del Rey”, registrado por Matheus van
den Broeck e Frei Manuel Calado, cronistas do século XVII. As
pesquisas nos arquivos contribuíram com as lucubrações e
levaram-me à outra perspectiva...
RUÍNA
DA ATALAIA DO VAZA-BARRIS
No
ano de 1855, quando São Cristóvão perdeu a condição de capital
por uma decisão do Governador Inácio Joaquim Barbosa, o Porto das
Pedreiras era um dos mais movimentados da região. Não dependia da
cheia das marés para embarque ou desembarque de mercadorias,
superava, assim, o Porto São Francisco (do mercado) e o Porto do
Carmo (atual Porto da Banca), ambos do rio Paramopama. O Porto das
Pedreiras ficava no Vaza-barris há pouca distância da Barra
da cidade e da Sombra da Pedra, era amplo, e o inconveniente
era a distância da sede: 8km. Havia, ainda, o Porto do Sítio
Gameleira, em relação ao qual, em 1835, João Simões dos Reis,
Secretário da Câmara, avaliava: “onde vão ancorar as embarcações
sumacas que comerciam desta cidade comarca para a cidade da Bahia
assim como o do Povoado de Itaporanga deste município.”(1)
Não
falarei sobre motivos da Mudança da Capital, esse não é o objeto
de investigação, lembro somente ser um mal-entendido o pretexto da
“falta de porto”, que alguns professores repetem. Não foi por
falta de um porto, como já disse: a ex-capital tinha mais de um.
Havia a carência de um porto bem localizado, de fácil comunicação
com a Bacia do Cotinguiba: região que concentrava a maior
produção de cana-de-açúcar e que, sobretudo, não dependia das
marés. Insisto no assunto Porto das Pedreiras, tanto pela sua
proximidade da Sombra da Pedra quanto por se tratar de um
importante entreposto comercial até as primeiras décadas do século
XX. É bom frisar que não me refiro ao atual e inexpressivo cais a
que chamam de Porto das Pedreiras.
Pertinente
destacar que a movimentação não era somente de mercadorias, faz-se
necessário desvelar o deslocamento dos viajantes, os roteiros
terrestres e marítimos. O médico Francisco Sabino Coelho de
Sampaio, por exemplo, deixou o relato de uma viagem de São Cristóvão
à capital, Aracaju, realizada em meados do século XIX: “A 26 de
outubro de 1858, à noite, sahi de S. Christóvão com a minha
Família para o Aracaju, embarcando-me no porto de São Francisco.
Cheguei ao porto Santa Maria às 10 horas da manhã do dia 27;
sahiu-se às 6 horas da tarde, passou-se a noite na beira da Costa, e
embarcamo-nos ahi às 8 horas da manhã do dia 28, e chegamos ao
Aracaju às 11 horas do mesmo dia com três horas de viagem.” Em
resumo, foram 2 dias de viagem de um percurso de 5 léguas. (2)
Entre
os séculos XIX e XX, a maior representante da navegação costeira,
ou de cabotagem, foi a empresa Lioyd Brasileiro. Portos da Bahia,
Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Rio de Janeiro recebiam embarcações
das Companhias: Pernambucana, Esperança Marítima, Navegação
Costeira, Espírito-Santense, Lioyd Brasileiro, dentre outras.(3)
Além do transporte de pessoas, transportavam-se cargas. Dessa forma,
empresas estabelecidas na então Capital Federal negociavam com
empresas situadas em capitais do Nordeste.
Em
Sergipe do início do século XX, a movimentação de embarcações
dava-se pela Barra de Aracaju (Rio Cotinguiba e/ou Sergipe), Barra de
Estância (Rio Real) e Barra de São Cristóvão (Rio Vaza-barris).
Nessa época, a Barra de São Cristóvão expressava o mais acanhado
movimento portuário, também um antigo ponto de contrabando (a
tradicional sonegação de impostos). Burlava-se o fisco: isso era
facilitado pela localização privilegiada. É oportuno lembrar a
extinta estrada que ligava essa região à capital sergipana através
do Povoado Caípe. Assim como essa via terrestre, o antigo Porto das
Pedreiras não mais existe. Para esclarecimento, vejamos o que diz um
estudo corográfico, publicado em 1897, sobre o referido porto: “É
largo e profundo, oferecendo um ancoradouro seguro aos navios que ahi
vão carregar. Há ahi um grande trapiche da Companhia do
Lloyd, antiga bahiana.”(4) Naquele ano, encerrou o contrato entre a
Associação Sergipana e a União, referente ao serviço de um
rebocador que transportava cargas entre as barras de Estância,
Cotinguiba e São Cristóvão.(5) Trapiche, segundo o dicionário, é
um “armazém de mercadorias junto ao cais.”(6) O mencionado
trapiche das Pedreiras era gerenciando pela Casa Comercial
Jucundino e Cia., localizada na Rua Aurora, em 1907.(7)
Além
das pequenas sumacas e botes, ao Porto das Pedreiras, aportavam
vapores e patachos nacionais, conforme detalham as planilhas de
entrada e saída de embarcações em Sergipe, contidas nos relatórios
do Governo de Olímpio Campos (1898/1902). Foram 30 embarcações em
1898 e 37 no ano seguinte. Ali, acontecia o embarque e o desembarque
de cargas: açúcar, algodão, etc. Os familiares de Antonio Dias
Coelho e Melo (1822/1904), o Barão de Estância, informam que o
material importado da Inglaterra para reforma da casa de veraneio, em
1887, localizada no Povoado Pau d'Arco, Itaporanga, inclusive o
gradis que ornamentam portas e janelas, chegou pelo Porto das
Pedreiras.(8)
No
intento de monitorar a entrada e a saída de navios na Barra de São
Cristóvão, por conta de fiscalizar as cargas e de prevenir
acidentes, a Capitania dos Portos, na gestão de Cyro Câmara, tomou
providências. No dia 8 de dezembro de 1908, inaugurou-se
festivamente a “Atalaia de Sam Christovam, situada na bocca do Rio
Vasa-barris.”(9) Atalaia não é farol, trata-se de uma pequena
guarita construída num ponto estratégico para observar/fiscalizar
embarcações. Não se sabe a exata localização dessa atalaia, nem
quando foi desativada. Consta que sua estrutura foi assentada sobre
rochedos, que supostamente seriam os que compõem a Sombra da
Pedra?
Iniciei
esta série comparando a antiga São Cristóvão a uma esfinge que
lança enigmas aos aventureiros pesquisadores. Se a comunidade
acadêmica, os arqueólogos, especialmente, encamparem a aventura até
as paragens da Sombra da Pedra, com certeza, experimentarão
maiores riscos do que passei nos arquivos, bibliotecas e sebos, de
onde juntei dados desconexos e produzi esta síntese.
José
Calasans Brandão da Silva (1915/2001) revolucionou a interpretação
da Guerra de Canudos na década de 1950 ao propor compreensão dela
excetuando o clássico Os Sertões (1902), de Euclides da
Cunha. Hoje, essa ousadia nem é considerada... Neste ano de
centenário desse eminente canudólogo, historiador e
folclorista, compartilho suas palavras sinceras que estimularam o meu
tirocínio: “Este trabalho inicial deve ser julgado com
benevolência. Quem trilha caminho novo, ainda não percorrido por
outros, enfrenta dificuldades sem conta, equívocos, incorre em
omissões, que não raro se transformam em lamentáveis
esquecimentos, senão mesmo clamorosas injustiças. (...) Agradeço,
porém, com o mesmo interesse com que peço indulgência, as luzes
dos que possam e queiram melhorar o conteúdo desta tarefa.” (10)
(fim).
*Publicado
no JORNAL DA CIDADE. Aracaju, ano XLIV, n. 12860, 17 e 18 de maio de
2015, p. A-7.
**Thiago
Fragata: poeta e historiador, sócio do IHGSE, professor da SEED/SE,
membro do Grupo de Pesquisa Culturas, Identidades e Religiosidades
(GPCIR/CNPq) e do Grupo de Pesquisa Sergipe Oitocentista (SEO/CNPq).
Email:
thiagofragata@gmail.com
NOTAS
DA PESQUISA:
1
- APES, Aracaju. Ofício de João Simões, Secretário da Câmara, ao
Vice-Presidente da Província. 30 de dezembro de 1835. CM1 - 21, doc.
209.
2
- SOBRINHO, Sebrão. Laudas da História do Aracaju. 2a. ed.
Aracaju: Gráfica J. Andrade, 2005, 289.
3
- LISBOA, l. Da Silva. Chorographia do Estado de Sergipe. Aracaju:
Imprensa Official, 1897, p. 57.
4
- Idem, p. 149.
5
- Jornal de Notícias. Aracaju, ano II, n. 468, 18 de outubro de
1897, p. 2.
6
- BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário Escolar da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: FAE, 1986, p. 1142.
7
- Correio de Aracaju. 10 de fevereiro de 1907, p. 4.
8
- Entrevista com Samuel Barros de Medeiros Albuquerque, Aracaju. 24
de abril de 2015.
9
- Folha de Sergipe. Aracaju,
XVIII, N. 162, 10 de dezembro de 1908, p. 2.
10
- SILVA, José Calasans Brandão da. Aracaju e outros temas
sergipanos. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: IHGSE, 2013.
CRÉDITO
DA IMAGEM: Janela da Casa de Veraneio do Barão de Estância, seu
gradil foi importado da Inglaterra e chegou via Porto das Pedreiras.
Foto: Samuel Albuqueque, 2013.
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