Comendador Sebastião Gaspar de Almeida Botto (1802-1884). (Acervo do IHGSE) |
Samuel Albuquerque**
Longevos ou
efêmeros, os jornais preservam uma memória que vem sendo bastante explorada
pelos historiadores. Nesse sentido, também recorremos a periódicos brasileiros
e, mais especificamente, sergipanos da segunda metade do século XIX, buscando
referências ao proprietário e ao engenho Rio Comprido.
Não são poucas as referências
ao tenente coronel José Guilherme da Silveira Telles nos jornais oitocentistas.
No Correio Sergipense, por exemplo, localizei quase uma centena delas,
veiculadas entre 1840 e 1863. A maior parte remete aos atos cívicos que,
enquanto comandante de batalhão da Guarda Nacional, José Guilherme coordenava. São
relatos das celebrações que tomavam as ruas de São Cristóvão nos dias 25 de março
(Juramento à Constituição do Império), 7 de setembro (Independência do Brasil),
24 de outubro (Emancipação Política de Sergipe) e 2 de dezembro (Aniversário natalício
do imperador D. Pedro II).
Os jornais também
veicularam críticas ao tenente coronel José Guilherme, como aquela feita por
seu comandante superior e presidente da província Sebastião Gaspar de Almeida
Botto (1802-1884). Na edição do Correio Sergipense de 3 de agosto de 1842, o governante
registrou sua insatisfação com a ausência de seu subordinado nas celebrações do
Aniversário do Segundo Reinado, em 23 de julho. O oficial teria usado, poucas
horas antes da parada militar, de “um frívolo pretexto” para se escusar de
formar o batalhão por ele comandado.
Exercitando sua
autoridade, Botto mandou o seguinte recado: “O Presidente da Província espera
que o senhor Tenente Coronel Silveira Telles se convença de que todo aquele que
tem a honra de vestir uma farda, por nenhum pretexto, deve mostrar-se avesso às
solenidades dos dias remarcados nos faustos da nação e muito principalmente
quando todos os cidadãos amantes de S. M. o Imperador à porfia querem
exceder-se, dando provas do amor ardente que os devora, pela felicidade do
monarca e da nação que tem a sorte impermutável de possuí-lo como seu augusto chefe”
(Correio Sergipense, 3 ago. 1842, p. 1). Ao que tudo indica, o puxão de orelhas,
acusando o militar de uma atitude antipatriótica e descabida ao cargo que
ocupava, surtiu efeito. Ao menos na imprensa, não se teve mais notícia de
reincidência.
Eleito deputado à
Assembleia Provincial, os jornais indicam que José Guilherme foi um dos deputados
mais assíduos às sessões da casa, desde a primeira preparatória, realizada em
19 de abril de 1843, sob a presidência do Cônego Sobral. Além disso, tomava
parte nos debates e em comissões, geralmente acompanhando o comandante superior
Joaquim Martins Fontes, seu colega e cunhado (Correio Sergipense, 31 maio 1843,
p. 3-4).
Sobre a já
mencionada passagem de José Guilherme pelo cargo de juiz municipal e de órfãos de
São Cristóvão, as edições do Correio Sergipense de 12 de abril e 22 de outubro
de 1851 e 2 de março de 1853 atestam que o suplente assumiu as funções de
titular em algumas circunstâncias, exercendo com desenvoltura a função.
Após a mudança da
capital da Província de Sergipe, os ruídos entre o comando superior (transferido
para Aracaju) e o comando dos batalhões de São Cristóvão e Itaporanga ganharam
maiores proporções, como indica a edição do Correio Sergipense de 4 de março de
1857. Nela, foi publicada a ordem do dia 25 de fevereiro, na qual o comandante
superior da Guarda Nacional nos municípios de Aracaju, São Cristóvão e
Itaporanga externava sua insatisfação e tomava providências para extirpar as
causas do “estado desordem e manifestada indisciplina” que, segundo ele, reinava
nos batalhões sob o seu comando. Nesse sentido, ordenava aos tenentes coronéis
José Guilherme da Silveira Telles e Domingos Dias Coelho e Mello Junior, chefes
dos batalhões de São Cristóvão e Itaporanga, que tratassem de “assumir as funções
de seus postos, fazendo todos os esforços para que os seus batalhões saião do
estado de lassidão e de desorganização em que se acham; o que o mesmo comandante
superior espera da dedicação e zelo que os ditos senhores comandantes devem
consagrar a seus deveres” (Correio Sergipense, 4 mar. 1857, p. 4).
Querelas à parte, outra
experiência significativa de José Guilherme, devidamente registrada nas páginas
do Correio Sergipense, foi sua passagem pelo cargo de delegado de polícia de
São Cristóvão, certamente uma função cumulativa à de comandante de batalhão da
Guarda Nacional. Ele foi nomeado por ato de 27 de julho de 1858 e permaneceu no
cargo até 7 de junho de 1862, quando pediu exoneração (Correio Sergipense, 31 jul.
1858, p. 4; 14 jun. 1862). Foi durante este período que ele atuou com vigor no
combate aos quilombos surgidos nas matas de engenhos da região. Em São
Cristóvão, nas terras do Engenho Timbó, encontraram “ranchos, carnes, casas de
palha e outros vestígios de habitação”. No Engenho Dira, em Itaporanga, também
houve uma varredura, mas, ao que tudo indica, nada foi encontrado (Correio
Sergipense, 16 fev. 1859, p. 3).
Outra notícia de
ampla circulação e que denota o prestígio do tenente coronel José Guilherme foi
veiculada na edição de 28 de outubro de 1864 do Correio Mercantil. O jornal
fluminense registrou a nomeação de José Guilherme para cavaleiro da Imperial Ordem
da Rosa, distinção bastante cobiçada entre as elites do Brasil Império, que não
mediam esforços para demonstrar “fidelidade ao Imperador” e “prestar relevantes
serviços à Nação” (Correio Mercantil, 28 out. 1864).
Tendo colhido os
louros da carreira das armas, José Guilherme foi reformado como coronel da
Guarda Nacional em 1875, fato noticiado em jornais de circulação nacional. A
edição de 12 de outubro de 1875 do A Nação, registrou: “Foi reformado, a seu
pedido, no posto de coronel, o tenente-coronel comandante do 2º batalhão de
infantaria da guarda nacional da província de Sergipe, José Guilherme da
Silveira Telles” (A Nação, 12 out. 1875, p. 2; e, A Província, 20 out. 1875, p.
3).
Mas a reforma
certamente não representou uma aposentadoria para o inquieto coronel. A edição
de 17 de janeiro de 1880 do Jornal de Sergipe, ao veicular o expediente do
Governo de 31 de dezembro de 1879, registra que o presidente da província nomeou
José Guilherme para o cargo de suplente de juiz municipal e de órfãos de São
Cristóvão (Jornal de Sergipe, 17 jan. 1880, p. 2).
Foi na condição juiz
municipal em exercício que José Guilherme assinou um documento memorável e que
está devidamente preservado no acervo do Arquivo Geral do Judiciário de
Sergipe. Em 25 de maio de 1888, ele encerrava o livro de escrituras de compra e
venda de escravos, registrando: “Tendo sido extinta a escravidão no Brasil,
desta folha em diante servirá o presente para livro de procurações, visto se
achar legalmente selado”.
É muito provável
que, ao cumprir aquela formalidade, passasse pela cabeça do juiz o grande
prejuízo que a Abolição lhe trouxe. Legítimo representante da elite açucareira
sergipana, o senhor do Rio Comprido deve ter relutado, até os últimos
instantes, em aceitar os fatos. O fim da escravidão representou a
desarticulação da produção açucareira em seu engenho, onde, em poucos anos, os
canaviais desapareceriam, dando lugar aos pastos e rebanhos. (continua)
*Professor da UFS e
presidente do IHGSE. Email: samuel@ihgse.org.br
**Publicado
no JORNAL DA CIDADE. Aracaju, 20
jul. 2013, caderno B, p. 6.
FONTES
CONSULTADAS:
-
Inventário post-mortem de Luis
Francisco Freire. São Cristóvão, 1856. Arquivo Geral do Judiciário, Fundo São
Cristóvão/Cartório do 1º Ofício, caixa 12, número geral 25.
-
Correio Sergipense, edições de: 3 ago. 1842 (p. 1); 31 maio 1843 (p. 3 e 4); 12
abr. e 22 out. 1851 e 2 mar. 1853; 4 mar. 1857 (p. 4); 31 jul. 1858 (p. 4); 14
jun. 1862; 16 fev. 1859 (p. 3).
-
Correio Mercantil, Rio de Janeiro, 28 out. 1864.
-
A Nação, Rio de Janeiro, 12 out. 1875 (p. 2).
-
A Provincia, Recife, 20 out. 1875 (p. 3).
-
Jornal de Sergipe, Aracaju, 17 jan. 1880 (p. 2).
-
Livro de escravos. Arquivo Geral do Judiciário, Fundo São Cristóvão/Cartório do
1º Ofício, caixa 01, número geral 47, livro 04, p. 26.
-
Quadro das usinas e lista dos engenhos de Sergipe em 1903. In: MENEZES, Josino.
Mensagem apresentada á Assembléa Legislativa de Sergipe... Aracaju: O Estado de
Sergipe, 1903. p. 47 e 48.
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