Mausoléu da família Freire na Fazenda Belém, em Itaporanga/SE. Fotografia de Samuel Albuquerque, 2013 |
Samuel Albuquerque**
Testemunhos
distintos indicam que o Rio Comprido se tornou residência efetiva da família
Silveira Telles, somente, em princípios da década de 1860. Até então, o
aquinhoado tenente coronel José Guilherme se dividia entre esse engenho e o Tabua
de Baixo, localizado na margem direita do Poxim-Mirim, distante cerca de quatro
léguas de São Cristóvão, no sentido norte.
Através
do processo de habilitação para herança movido em benefício dos herdeiros do
comandante superior Barnabé Francisco Telles em 1857, tomamos conhecimento que
o Tabua de Baixo passou a José Guilherme por herança de seus pais, Eugênio José
Telles e Maria Narcisa da Silveira. Alguns anos depois, contudo, o proprietário
anunciava a intenção de vender “o seu Engenho Tabua de Baixo, com todos os seus
bons terrenos, livre e desembargado, com excelente casa de morar ultimamente
feita, engenho, cachaçaria, senzalas, tudo no melhor estado, com grande
plantação de canas, mandiocas, pastos limpos e cercados das melhores madeiras,
com bois mansos, 35 cavalos de roda, 25 escravos, 4 carroças americanas, 5
carros ferrados, tudo por preço razoável e recebe parte a vista e parte em
pagamentos módicos. Quem quiser contratar se dirija ao mesmo engenho do
anunciante” (Correio Sergipense, 10 out. 1860, p. 4). Como o anúncio não circulou
por muito tempo, é provável que algum interessado logo tenha fechado negócio.
Seguindo
o exemplo de Henrique Luis de Araújo Maciel, primitivo senhor do Rio Comprido,
José Guilherme fez daquele engenho uma espécie de quartel do Partido Liberal
nos arrabaldes de São Cristóvão. Era para lá que, em circunstâncias adversas, os
líderes daquela agremiação “davam em pernas”, refugiavam-se e articulavam
reações. Não raras eram as acusações de que os liberais fabricarem atas eleitorais
“dentro dos engenhos e à borda dos rios” (Correio Sergipense, 1º dez. 1852, p.
2-4).
À
época do domínio dos Silveira Telles, cresceu o número de casebres que, nas
bordas do engenho Rio Comprido, originaram os povoados Miranda (atual Colônia
Miranda ou, simplesmente, Colônia) e Pedrinhas (atual Rita Cacete). Tratando de
processos similares, Maria Thetis Nunes destacou que, desde as décadas de 20 e
30 do século XIX, existia em Sergipe uma “numerosa população livre, em sua
maioria composta de mestiços e negros, vivendo essa gente, principalmente, na
periferia das propriedades açucareiras ou nos núcleos urbanos situados em sua
órbita” (Nunes, 2000, p. 25).
Em
princípios do século XX, quando a sede do município possuía 824 fogos
(habitações), figuravam entre os mais robustos povoados de São Cristóvão:
Miranda/Rio Comprido, com 184 fogos; Robalo, com 153 fogos; Cardoso, com 120
fogos; Pedrinhas/Caraíbas, com 117 fogos; e Pedreiras, com 111 fogos. Muitos
desses núcleos, como já mencionamos, surgiram como apêndices ou no entorno das
sedes de engenhos, prova disso é que, sob a denominação de “povoados do
município de São Cristóvão”, foram relacionadas antigas unidades açucareiras da
região, como o Itaperoá (75 fogos), o Quindongá (50 fogos), o Roma (50 fogos),
o Escurial (75 fogos), dentre outras (Valladão, 1915, p. 110-111).
Graças,
certamente, à demanda dessas pequenas povoações (notadamente Miranda e
Pedrinhas), em princípios da década de 1880 foi nomeada uma professora primária
para o Rio Comprido. A edição de 13 de maio de 1882 do Eco Liberal informa que,
dez dias antes, havia sido nomeada a professora Leolinda da Silveira Telles (Echo
Liberal, 13 maio 1882, p. 2). Como indica o seu sobrenome, a educadora era
descendente de José Guilherme e, provavelmente, uma egressa da Escola Normal
feminina de Aracaju, criada em 1877.
É
quase certo que Leolinda tenha prestado concurso público pouco antes de sua
nomeação, conforme sugere a edição de 5 de junho de 1880 do Jornal de Sergipe,
ao informar que, em 1º de maio de 1880, o presidente da província determinou ao
diretor da instrução pública que mandasse “pôr em concurso as cadeiras do sexo
feminino dos povoados Curralinho, Rio Comprido, Colégio, Caititu, Mata, Saco do
Rio Real, Mussuca, Pedra Mole, Santa Rosa e Samba, com prazo de trinta dias”
(Jornal de Sergipe, 5 jun. 1880, p. 2).
Pai
ou avô da professora Leolinda, o coronel reformado José Guilherme deixou de
frequentar as páginas dos jornais sergipanos e cariocas em princípios da década
de 1880, quando, ao que tudo indica, passou a uma vida mais recolhida,
administrando seus bens e, interinamente, assumindo a função de juiz municipal
e de órfãos de São Cristóvão.
Não
localizei necrológio ou nota que faça menção ao seu passamento e, da mesma
forma, não tive sucesso no rastreio de testamento ou inventário post-mortem de José Guilherme. Presumo,
contudo, que tenha falecido em fins da década de 1880 ou em princípios da
década seguinte e que tenha sido sepultado às margens do Vaza-Barris, na
extinta capela do também extinto Engenho Roma, onde foram sepultados vários
membros da família de sua esposa.
Fica
a certeza de que os senhores do Rio Comprido, notadamente o capitão-mor das
ordenanças Henrique Luís de Araújo Maciel e coronel José Guilherme da Silveira
Telles, estão à espera de competentes biógrafos que, dispostos a sacudir o “pó
dos arquivos”, estudem de forma mais sistemática as trajetórias desses
aristocratas de alta patente, que em muito influíram na história de Sergipe e
do Baixo Vaza-Barris. (continua)
*Publicado
no Jornal da Cidade. Aracaju, 28/7/2013, p. 7.
**Samuel
Albuquerque é professor da UFS e presidente do IHGSE. Email:
samuel@ihgse.org.br
BIBLIOGRAFIA:
HABILITAÇÃO
para herança, movida pelo major Serafim Alvares d’Almeida Rocha em benefício
dos herdeiros do comandante superior Barnabé Francisco Telles, 1857. Arquivo
Geral do Judiciário, Fundo São Cristóvão/Cartório do 1º Ofício, caixa 12,
número geral 25.
CORREIO
Sergipense, edições de: 10 out. 1860 (p. 4); 1º dez. 1852 (p. 2-4).
NUNES,
Maria Thetis. Sergipe provincial I: 1820-1840. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2000. p. 25 e 173.
ECHO
Liberal, 13 maio 1882, p. 2.
FREITAS,
Anamaria Gonçalves Bueno de. Vestidas de azul e branco. São Cristóvão:
GEPHE/NPGED, 2003.
JORNAL
de Sergipe, 5 jun. 1880, p. 2.
VALLADÃO,
Manuel P. de Oliveira. Mensagem dirigida á Assembléa Legislativa de Sergipe em
7 de Setembro de 1915. Aracaju: O Estado de Sergipe, 1915. p. 110-111.
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