Mero, obra de Wagner Zanirato (Zamba) |
Thiago Fragata**
Os
intelectuais Manoel dos Passos de Oliveira Telles (1859/1935) e
Severiano Cardoso (1840/1907) desenvolveram pesquisas e palmilharam
povoados de São Cristóvão em fins do século XIX. Ambos tinham a
ex-capital como símbolo oracular onde
estariam respostas às mais diversas questões investigadas e
apresentaram propostas originais relacionadas a pontos da História
de Sergipe, a exemplo, a mudança da Capital. Entendiam que não
bastava folhear papéis de arquivo, escutar o povo era um exercício
imprescindível. Algum morador possuía a informação-chave: ouvira
dos parentes, testemunhara, etc. São Cristóvão era assim a
lendária esfinge a lançar enigmas aos incautos descobridores.
Na
última série, “Anedotário de São Cristóvão”, compartilhei
pesquisa baseada nas estórias que o povo sancristovense conta sobre
a forca no imaginário dos moradores do centro histórico.(1)
Acredito na memória como matéria-prima do conhecimento e da
imaginação.
Recentemente,
voltei a escutar as populações ribeirinhas das Pedreiras, da Ilha
Grande e do Porto São Francisco a respeito de outra questão
misteriosa: a sombra da pedra.
Tinha 16 anos de idade quando ouvi o desabafo do meu pai, o popular
Tiago do Gelo: “Não quero rede minha na sombra
da pedra, chega de prejuízo!” Demorei a compreender o que
representava de fato a sombra da
pedra, pensei numa rocha e só. É mais que isso...
O
mote deste artigo é lançar hipóteses à seguinte questão: o que
significa a sombra da pedra,
localizada no ponto onde o rio Paramopama se encontra com o rio
Vaza-barris, entrada da antiga capital de Sergipe d'El Rey?
MORADA
DO MERO - Cresci ouvindo muitas estórias contadas pela boca dos
pescadores. Os relatos davam azo à imaginação... Uma tanto me
impressionou que fiz apontamentos. Todo mundo acrescentava um ponto
se o assunto fosse “a sombra da pedra”.
Hoje
tenho uma imagem definida do rochedo, um arrecife em formato
quadrangular submerso, uma base brocada visível nos períodos de
calmaria quando a água desvela a silhueta de batismo. Uns falavam da
sombra da pedra como sinônimo
de prejuízo, porque a rede que se prendia em suas paredes de
cascalho não se resgatava. Linhas e anzóis sem conta perderam-se e
ornamentavam o rochedo há uns 10 metros de profundidade. Outros
falavam daquele lugar como ponto piscoso.
Razões
para evitar a pesca nas proximidades da sombra
da pedra todos tinham. O número de “mipas” (pescaria sem
peixe) constituía-se um problema que definia a possibilidade de
risco/mês que um dono de rede poderia considerar. Independente de
qualquer coisa, a pescaria farta seria certa aos que manejassem
cautelosamente as armadilhas ali. No entanto, alguém sempre lembrava
de um fulano ou beltrano que sumiu na sombra
da pedra, mergulhou e nunca emergiu...
A
sombra da pedra não era a única coisa que atemorizava os
trabalhadores do mar, naquelas águas aparentemente residia um mero.
Mil estórias ainda ecoam nos meus ouvidos sobre a fantástica
criatura. O nome científico do bicho
é Epinephelus Itajara. Itajara é um termo tupi que significa
"senhor da pedra" (itá, pedra + iara, senhor). Esse
animal marinho vive nos oceanos Atlântico e Pacífico. Entre suas
características, destacam-se a longevidade (pode viver até 40 anos)
e sua capacidade de se camuflar no seu habitat: as pedras.(2)
Dos
causos compulsados dentre os pescadores uma unanimidade, todos
disseram que sombra do peixe gigante na superfície d’água,
bem próximo a tal pedra, explicava a origem do nome. Após descrever
o exemplar da megafauna marinha, um deles acrescentou: “E quando
passou ao lado da canoa, deu para avistar ostras no seu costado, por
pouco não virou meu barco.” Boa parte dos relatos sobre o mero
exageram o seu tamanho e o caracteriza “velhaco” por duas razões:
consegue escapulir de armadilhas, é um predador oportunista –
surpreende suas vítimas. O serranídeo, animal da mesma família das
garoupas e do badejo, pode atingir 2,7m de comprimento e pesar 450kg.
Faz
tempo... Ninguém fala do gigante marinho que habitava a região onde
o Paramopama deságua no Rio Vaza-barris, no povoado Pedreiras.
Sumiu, ficou apenas o cenário. Será que alguém capturou o peixe
velhaco ou ele encantou-se?”. Os que insistem na sua existência
apresentam a maior prova: a sombra da pedra. (continua)
* Artigo publicado no JORNAL DA CIDADE. Aracaju, ano XLIV, n. 12.838, 19 e 20/4/2015, p. B5.
** Thiago Fragata é poeta
e historiador, sócio do IHGSE, professor da SEED/SE, membro do Grupo
de Pesquisa Culturas, Identidades e Religiosidades (GPCIR/CNPq) e do
Grupo de Pesquisa Sergipe Oitocentista (SEO/CNPq). Email:
thiagofragata@gmail.com
NOTAS DA PESQUISA
1 - FRAGATA, Thiago.
Anedotário de São Cristóvão. Jornal da Cidade, edições
2, 6 e 12 de agosto de 2014.
2
- Consulta www.merosdobrasil.org
, 10 de abril 2015.
CRÉDITO DA IMAGEM: Mero,
de Wagner Zanirato (Zamba), 2015.
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