Lápide do Capitão-Mor Henrique Luis de Araújo Maciel. Foto: Acervo do IPHAN |
Samuel Albuquerque**
Ibarê Dantas, com muito
acerto, caracterizou o Engenho Rio Comprido como “um verdadeiro quartel” (Dantas,
2009, p. 40). Sua representação converge com outras mais remotas, a exemplo
daquela difundida por Felisbelo Freire ao tratar da fuga do camandante das
armas Manuel da Silva Daltro para a “fortaleza” do Rio Comprido.
Diante da sublevação de
suas tropas na noite de 1º de novembro de 1824, Daltro “foge para o Rio
Comprido (...) e, com o concurso de Henrique Maciel, (...) projeta depor o
governo civil no dia 8, e para isso convoca as forças de Itaporanga, à guarda
do brigadeiro Domingos Dias Coelho e Mello, as de Laranjeiras, do Rosário, a
propósito de um movimento revolucionário republicano, que era preciso sufocar”
(Freire, 1891, p. 271 e 272). Sabemos, contudo, que os planos de Daltro e
Maciel não surtiram os efeitos esperados e que o camandante das armas viu-se
obrigado a pedir desligamento de suas funções, alegando problemas de saúde.
Maria Thetis Nunes
editou um ofício dirigido pelo “Capitão-mor do Terço das Ordenanças da cidade
de São Cristóvão e dono dos Engenhos Desterro e São José, Henrique Luis de
Araújo Maciel”, ao “comandante das Armas da Pronvíncia de Sergipe”, Manuel da
Silva Daltro. O documento, localizado pela historiadora no Arquivo Nacional, é
revelador da mentalidade de Henrique Luis, um monarquista convicto, temeroso da
influência que o secretário Antonio Pereira Rebouças (1798-1880), identificado
como republicano e abolicionista, exercia sobre o presidente da província
Manuel Fernandes da Silveira (1757-1829). Além disso, demonstrou
ser um homem cônscio de sua fidalgia e do lugar de destaque que, por direito,
cabia aos aristocratas (Nunes, 1978, 89-90).
Quanto ao segundo
engenho mencionado por Nunes, trata-se, certamente, do Engenho São José da
Lombada, em Santo Amaro das Brotas. O já citado “Livro de
Matrícula dos Engenhos da Capitania da Bahia...”, em suas notas 119 e 243, faz
menção ao Lombada, que em princípios do século XIX pertencia a Henrique Luis de
Araújo Maciel e, cerca de dez anos depois, já pertencia a Maria Rosa de Araújo
e Mello. Infelizmente, não localizei dados que possam confirmar o parentesco
entre esses dois proprietários.
Dialogando com estudos
do linhagista Ricardo Teles Araújo, Ibarê Dantas destacou vínculos familiares e
políticos que aproximaram Henrique Luis dos Dias Coelho, família cujo domínio e
influência se espalhavam por toda a zona açucareira da província. Contudo, é
muito provável que Antonio Dias Coelho e Mello (1822-1904), futuro Barão da
Estância, não tenha conhecido o viúvo de sua tia Francisca, pois Henrique Luis
faleceu quando o mesmo contava pouco mais de sete anos.
Baseado, ainda, nos trabalhos de Araújo, Ibarê
Dantas informa que a segunda consorte e, certamente, herdeira de Henrique Luis,
a senhora Vitorina de Jesus Maria (filha de
João Gonçalves Franco e Ana Teresa de Jesus, do Engenho Serra Negra, em Rosário
do Catete), contraiu segundas núpcias com o coronel José Rodrigues Dantas e Mello
(1790-1852), ex-cunhado, aliado político e colega de Henrique Luis no Conselho
do Governo da província (Dantas, 2009, p. 453).
Temos, então, um
quebra-cabeça a ser montado, pois, antes de Ibarê, Orlando Vieira Dantas,
baseado em dados colhidos com o engenheiro Carlos Cabral Andrade, registrou que
o mencionado coronel José Rodrigues foi casado com dona Ana Joaquina de São
José e que o mesmo seria irmão do brigadeiro Domingos Dias Coelho e Mello
(1782-1874), futuro Barão de Itaporanga, e tio do já mencionado Antonio Dias
Coelho e Mello, futuro Barão da Estância (Dantas, 1985, p. 140). Acredito que,
após enviuvar da mencionada Ana Joaquina, o coronel José Rodrigues tenha desposado a
também viúva Vitorina de Jesus Maria, que contava pouco mais de trinta anos e,
possivelmente, havia herdado o Engenho Rio Comprido do seu primeiro esposo.
Por sua vez, a memória do capitão
Henrique Luis encontrou seu último refúgio em um espaço para o qual os
holofotes das políticas públicas de preservação dos bens culturais têm se
voltado, principalmente após a inscrição da Praça São Francisco na Lista do
Patrimônio Mundial pela UNESCO, em 2010.
No Museu de Arte
Sacra de São Cristóvão, diante do arco cruzeiro da antiga Capela da Ordem
Terceira de São Francisco, entre os altares de Nossa Senhora da Conceição e
Nossa Senhora do Amparo, está a lápide com a seguinte epígrafe: “Aqui jaz
Henrique Luis de Araújo Maciel, capitão-mor efetivo, cavaleiro professo na
Ordem de Cristo, nascido em 24 de junho de 1760 e falecido a 26 de setembro de
1829”.
Do teto do
altar-mor, a Rainha dos Anjos, pintura atribuída a José Teófilo de Jesus,
parece velar o sono do senhor do Rio Comprido. As seculares imagens do
Crucificado e, nos nichos, de São Francisco Xavier, São Francisco de Assis e
São Gonçalo do Amarante completam o cenário. (Continua)
*Publicado no Jornal
da Cidade, Aracaju, 30 jun./1º jul. 2013, caderno B, p. 7.
**Professor da UFS
e presidente do IHGSE. Email: samuel@ihgse.org.br
Sequência
de fontes/bibliografia utilizadas:
DANTAS, Ibarê.
Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel (1825/1909). O patriarca do Serra Negra e a
política oitocentista em Sergipe. Aracaju: Criação, 2009. p. 40, 43-46 e 453.
FREIRE, Felisbello
Firmo de Oliveira. Historia de Sergipe (1575-1855). Rio de Janeiro: Typographia
Perseverança, 1891. p. 271 e 272.
NUNES, Maria Thetis. História de
Sergipe, a partir de 1820. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: INL, 1978. p.
88-90.
SOUTELO, Luiz
Fernando Ribeiro. Livro de Matrícula dos Engenhos da Capitania da Bahia para
pagamento dos Dízimos Reais administrados pela Junta da Real Fazenda. Aracaju,
198_ (transcrição de registros produzidos entre 1807 e 1820, em documento de
título similar, localizado na Seção Histórica do Arquivo Público da Bahia).
DANTAS, Orlando
Vieira Dantas. Vida patriarcal de Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980
(Coleção Estudos Brasileiros, v. 47). p. 140.
ANEXO I da
Proposição de Inscrição da Praça São Francisco em São Cristóvão/SE na Lista do
Patrimônio Mundial. [Aracaju]: Governo de Sergipe/Prefeitura de São
Cristóvão/IPHAN, [2010].
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