Antigo Matadouro Municipal, bairro Apicum-Merem, São Cristóvão. Foto: Samuel Albuquerque, 2013 |
Samuel Albuquerque**
O primeiro trecho da estrada
oitocentista que ligava as cidades de São Cristóvão e Laranjeiras corresponde,
basicamente, aos 5 quilômetros percorridos entre a Ponte Santa Cruz, no trevo
de São Cristóvão, e a ponte sobre o Rio Comprido, vencendo 1,2 quilômetros da
Avenida Irineu Neris e 3,8 quilômetros da SE-466.
A rodovia estadual SE-466, cuja
denominação homenageia o político José Correia Santos Neto (Zezinho da
Everest), é popularmente conhecida como Estrada de Rita Cacete, uma referência
ao povoado por ela cortado em seu quilômetro 5. Vale mencionar que, logo após
Rita Cacete, a rodovia perde o seu pavimento e segue em péssimas condições até
a BR-101, perfazendo um total de 9,1 quilômetros.
Naturalmente, outras estradas para ela
convergem ao longo do seu percurso. Esse é o caso das vias (sem pavimento,
diga-se) que conduzem às seguintes localidades: Arame (quilômetro 0,9 – lado direito),
Saco (quilômetro 1,8 – lado esquerdo), Gameleiro (quilômetro 2,2 – lado esquerdo)
e Aningas (quilômetros 2,9 e 3,6 – lado direito). Além disso, ao lado direito
da estrada, arrastam-se os desusados trilhos da Viação Leste Brasileiro, em
grande medida ocultados pelo mato.
Da ponte sobre o Paramopama à ponte
sobre o Rio Comprido, alguns elementos da paisagem são dignos de nota. Imediatamente
após a Ponte Santa Cruz, desviando o nosso olhar para a Avenida Felix Pereira
(à direita), avistamos as instalações da antiga Empresa Industrial São Cristóvão, fábrica de
tecidos que, a partir da década de 1910, deu novo impulso à economia do
município.
Nas memórias de Serafim Santiago, encontramos importantes
referências à “colossal fábrica de tecidos à margem direita do rio Paramopama”,
que, “sob a direção de abastados capitalistas que se associaram com a firma
Andrade Chaves e Cia.”, “teve o assentamento da primeira pedra no dia 14 de agosto
de 1912 e a inauguração a 4 de fevereiro de 1914” (Santiago, 2009, p. 117-118).
O memorialista traduziu e registrou o sentimento dos cristovenses ante a
inauguração daquela fábrica, fato que representava a interrupção da “decadência
paulatina da pitoresca cidade e da apatia que dominava os seus habitantes” (Santiago,
2009, p. 118).
Inspirado em matérias veiculadas pela imprensa da época, Santiago
registrou que, graças a inauguração da fábrica, “o cristovense já não descrê de
si, nem se sentirá amesquinhado em face dos filhos da outra parte, porque se
transformou graças ao milagre da indústria, neste gigante do presente – o operário”.
E continua: “No seio de sua própria cidade, sem se afastar do remanso de suas
ilusões e afetos, [o cristovense] encontra o trabalho que traz o conforto,
regeneração e bem estar.” (Santiago, 2009, p. 119). Compreendemos, assim, o
efeito causado pela “chegada do progresso” na autoestima da população de São
Cristóvão. Destituída da condição de capital de Sergipe desde 1855 e tendo
passado por um franco processo de decadência, a chegada da fábrica e da
ferrovia representavam a ressurreição para uma sociedade moribunda.
Em 1923, quase dez anos após sua inauguração, a fábrica foi visitada
pelo presidente do Estado. Segundo Serafim Santiago, Graccho Cardoso teria
ficado impressionado com o que viu, atento ao fato de a empresa “dá trabalho diário
a 297 mulheres e 104 homens, afora empregos outros, e tem a funcionar 250
teares, que dão o rendimento de 3:640,606 metros de fazendas.” (Santiago, 2009,
p. 135).
Desde 2010, a sede da antiga fábrica abriga a Intergriffe’s São
Cristóvão Indústria e Comércio de Confecções Ltda, do Grupo Intergriffe’s
Nordeste. A análise das fotografias veiculados, em 1920, no “Álbum de Sergipe”
indica que a estrutura básica do conjunto arquitetônico foi mantida. Contudo,
uma série de intervenções descaracterizou o harmônico conjunto de prédios do
início do século XX. Ainda assim, ele se destaca na paisagem da entrada da
cidade e chama atenção por sua monumentalidade.
Seguindo pela Avenida Irineu Neris, depois de percorrer cerca de 800
metros desde a Ponte Santa Cruz, deparamo-nos com a fachada e as ruínas do
antigo Matadouro Municipal, ao lado direito da via e defronte a Creche Ezilde
Serra Pinheiro.
Conforme os registros sobre sua fachada, o prédio foi “reconstruído”
na administração do prefeito José Pereira Dantas, na primeira metade da década
de 1940. Diante dele, somos tentados a idealizar o restauro da monumental
fachada e a reconstrução do seu interior. No mais, caso não fosse interessante
reestabelecer um matadouro na localidade, poder-se-ia conferir usos ao prédio
que atendessem possíveis demandas de instituições de ensino estabelecidas
naquela avenida do bairro Apicum-Merem, como o Colégio Estadual Pe. Gaspar
Lourenço e a Escola Estadual Luiz Guimarães.
Um problema ao qual já havíamos feito
menção em artigo anterior voltou a roubar nossa atenção. Cerca de 200 metros
após as ruínas do matadouro, passa sob a rodovia um córrego bastante poluído,
indo ao encontro das águas do Rio Miranda. A imagem é deprimente. São dezenas
de canos que, partindo das casas que avançam sobre o curso d’água, despejam
esgoto doméstico diretamente no córrego. Essa é uma das principais máculas no
entorno da cidade que é guardiã de um patrimônio da humanidade. (continua)
*Publicado no JORNAL DA CIDADE, Aracaju, 18 e 19 ago.
2013, caderno B, p. 6.
** Professor
da UFS e presidente do IHGSE. Email: samuel@ihgse.org.br
Sequência
de fontes/bibliografia utilizadas:
SANTIAGO, Serafim.
Annuario Christovense ou Cidade de São Christovão. São Cristóvão: Editora UFS,
2009. p. 74, 117-120, 134, 135, 176 e 335.
SILVA, Clodomir de
Souza. Album de Sergipe, 1820-1920. São Paulo: O
Estado de S. Paulo, 1920. p. 280.
BASE CARTOGRÁFICA
dos Municípios Litorâneos de Sergipe. [Aracaju]: PRODETUR-NE II/Ministério do
Turismo, 2004 [ortofotocartas 691-778, 691-783, 684-778, 684-783];
ATLAS DIGITAL sobre
recursos hídricos de Sergipe. Versão 2012-9. Aracaju: SRH/SEMARH/Governo de
Sergipe, 2012. 1 DVD (camada Infraestrutura e subcamadas Rodovia Estadual e Rodovia
Federal, dentre outras);
ANEXO I da
Proposição de Inscrição da Praça São Francisco em São Cristóvão/SE na Lista do
Patrimônio Mundial. [Aracaju]: Governo de Sergipe/Prefeitura de São
Cristóvão/IPHAN, [2010].
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