Vista aérea de São Cristóvão e do estuário do Rio Miranda, onde deságua o Paramopama (Marco Galvão, 2007) |
Samuel Albuquerque**
Os testemunhos legados por Serafim Santiago
nos levam a refletir sobre um problema ambiental que se acentua cada vez mais
em São Cristóvão: a degradação dos rios.
Ao concluir que o arruinamento da
Ponte Santa Cruz, em princípios do século XX, era resultado da parca vigilância
sobre práticas irregulares de pesca, o memorialista registrou que “pessoas do
povo faziam pescarias às horas mortas da noite, por baixo das arcadas [da
ponte], de onde colhiam peixes moradores nas fendas ou buracos feitos por estas
criaturas nas pedras que serviam de base da referida construção”. Os populares
empregavam instrumentos de ferro “a fim de extrair dos mencionados buracos o produto
do seu mal entendido trabalho, sem lhe advertir a consciência o mal que estavam
praticando” (Santiago, 2009, p. 109).
Partindo da observação de Santiago,
concluímos que, em menos de um século, a população cristovense conseguiu
transformar o rio sob a ponte Santa Cruz em um esgoto a céu aberto. Dificilmente,
um observador atento ao estado do Paramopama cogitaria a possibilidade de
saborear frutos que, por ventura, dele saíssem, tamanha a má impressão causada
pelo lançamento de lixo e esgoto domésticos nesse curso d’água.
Segundo o historiador Thiago Fragata “o valor histórico dispensado à cidade [de São
Cristóvão] é inversamente proporcional ao conhecimento da sua geografia, dos
seus povoados, mesmo para os sancristovenses” (Fragata, 2007, p. 6). Plenamente
de acordo, abrirei parênteses para tratar de uma
questão, no mínimo, nebulosa.
O curso d’água que passa sob a Ponte
Santa Cruz e que, historicamente, foi identificado como Rio Paramopama é, na
verdade, um tributário do Rio Miranda e, indiretamente, do Vaza-Barris. O
Miranda nasce à noroeste de São Cristóvão, nas imediações do povoado Aningas, e
segue no sentido sudeste, percorrendo cerca de 12 quilômetros até desaguar no
Vaza-Barris.
As águas do Paramopama e de outros
afluentes vão ao encontro do Rio Miranda na chamada Barra da Cidade de São
Cristóvão, estuário que pode ser apreciado do alto da Ladeira do Porto da
Banca, à sombra do Convento do Carmo (início da rua denominada, oficialmente,
como Francisco Oliveira Silva). Em terra firme, o Miranda é o rio que passa sob
a rodovia estadual SE-466 (1,4 quilômetros após o seu início), pouco antes do
povoado Colônia Miranda.
Como cheguei a tais conclusões? Analisando
ortofotocartas da “Base cartográfica dos
municípios litorâneos de Sergipe” e mapas do “Atlas
digital sobre recursos hídricos de Sergipe”, materiais que podem ser
consultados junto a Superintendência de Estudos e Pesquisas da Secretaria de
Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão (SUPES - SEPLAG/SE) e a Superintendência
de Recursos Hídricos (vinculada à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos
Recursos Hídricos – SEMARH/SE). Esses documentos divergem do que foi divulgado
por autores como o padre Inácio Antonio
Dormundo (em 1826), Manuel dos Passos de Oliveira Telles (em 1903), Clodomir de
Souza Silva (1920), Serafim Santiago (em 1920) e Maria Thetis Nunes (em 1978 e
2000), dentre outros. Aliás, de acordo com os mapas da
Superintendência de Recursos Hídricos, o Rio Paramopama não é aquele que corta
a Cidade Baixa de São Cristóvão e sim aquele identificado pelos cristovenses
como Rio Miranda.
Por respeito à tradição, julgo ser
melhor continuar identificando o curso d’água que corta a Cidade Baixa como
Paramopama, tendo, porém, a consciência de que ele é um afluente do Rio
Miranda, sendo esse um dos principais tributários da margem esquerda do
Vaza-Barris. (Continua)
*Publicado no JORNAL
DA CIDADE. Aracaju, 11 e 12 ago. 2013, caderno A, p. 7.
**Samuel Albuquerque - Professor
da UFS e presidente do IHGSE. Email: samuel@ihgse.org.br
Bibliografia:
SANTIAGO, Serafim.
Annuario Christovense ou Cidade de São Christovão. São Cristóvão: Editora UFS,
2009. p. 109.
FRAGATA, Thiago.
Quantos povoados tem São Cristóvão?. Jornal da Cidade, Aracaju, Caderno B, p.
6, 27 de fevereiro 2007.
BASE CARTOGRÁFICA
dos Municípios Litorâneos de Sergipe. [Aracaju]: PRODETUR-NE II/Ministério do
Turismo, 2004 [ortofotocartas 691-778, 691-783, 684-778, 684-783].
ATLAS DIGITAL sobre
recursos hídricos de Sergipe. Versão 2012-9. Aracaju: SRH/SEMARH/Governo de
Sergipe, 2012. 1 DVD (camada Infraestrutura e subcamadas Rodovia Estadual e Rodovia
Federal, camada Hidrografia e subcamada Bacia Hidrográfica do Vaza-Barris).
DORMUNDO, Ignacio
Antonio. Noticia topographica da Provincia de Sergipe, redigida no anno de 1826...
In: NUNES, Maria Thetis. Sergipe
provincial I: 1820-1840. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000. p. 372-373
(baseada em transcrição de M. A. Galvão, preservada na Seção de Manuscritos da
Biblioteca Nacional).
TELLES, M. P.
Oliveira. Sergipenses (Escriptos Diversos). Aracaju: Typografia d’O Estado de
Sergipe, 1903. p. 108.
SILVA, Clodomir de
Souza. Album de Sergipe, 1820-1920. São Paulo: O
Estado de S. Paulo, 1920. p. 61, 62, 280.
NUNES, Maria Thetis.
Sergipe provincial I: 1820-1840. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000. p. 141.
FRAGATA, Thiago.
Onde nasce o Paramopama? (I). Jornal da Cidade, Aracaju, 31 out. 2008. Caderno
B, p. 6, Opinião.
_____. Onde nasce o
Paramopama? (II). Jornal da Cidade, Aracaju, 8 nov. 2008. Caderno B, p. 6,
Opinião.
ANEXO I da
Proposição de Inscrição da Praça São Francisco em São Cristóvão/SE na Lista do
Patrimônio Mundial. [Aracaju]: Governo de Sergipe/Prefeitura de São
Cristóvão/IPHAN, [2010].
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário sobre essa matéria.