Antonio Dias Coelho e Mello (1822-1904), Barão da Estância, déc. 1880 (Acervo do IHGSE) |
Samuel Albuquerque**
Na
semana passada, iniciei um ensaio de crítica histórica, questionando a origem
de uma túnica oitocentista apresentada na exposição temporária “Nos passos do
Senhor dos Passos”, aberta ao público no último dia 8 de março, no Museu de
Arte Sacra de São Cristóvão. Baseado na historiografia sergipana e na
memorialística cristovense, demonstrei a fragilidade da hipótese que relaciona
a doação daquela peça ao nome de João Gomes de Melo, o Barão de Maruim
(1809-1890).
Considero
provável que uma “armadilha da memória” tenha vinculado ao nome do mais afamado
barão sergipano uma ação que, possivelmente, está ligada ao já mencionado Barão
da Estância, político cujo nome é pouco lembrado pela historiografia e não
batiza ruas ou avenidas importantes em Aracaju ou São Cristóvão.
O
Barão da Estância, além de residir no município (o seu Engenho Escurial, localizado
na ribeira do Vaza-Barris, ficava à cerca de duas léguas da sede municipal) e
possuir casa em São Cristóvão (ocupada por sua família, principalmente, em
datas assinaladas do calendário católico) era um dos membros mais ativos da
Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, grupo diretamente envolvido nas
celebrações ao Senhor dos Passos.
Rememorando
os meados da década de 1870, o “Annuario Christovense” destaca o Barão da
Estância entre os terceiros de Nossa Senhora do Carmo ao descrever, por
exemplo, a Procissão do Depósito (também conhecida como da Transladação ou do
Encerro), realizada na noite do segundo sábado da Quaresma, durante os atos
votivos ao Senhor dos Passos. Segundo Serafim Santiago,
“(...)
Via-se ao pé da charola, aguardando o
momento da sahida, o Presidente da Provincia com seu estado-maior, Barão da
Estancia, Commendador Sebastião Gaspar de Almeida Botto, Coronel Jozé Guilherme
da Silveira Telles, Coronel Domingos Dias Coêlho Mello, Dr Silvio
Anacleto de Souza Bastos, Dr Simões de Mello e muitissimos outros
abastados proprietarios do Vasa-barris, antigos devotos da respeitavel Imagem
do Senhor dos Passos” (Santiago, 2009, p. 182).
Ao tratar da igreja da Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Carmo, templo que abriga a imagem do Senhor dos Passos, a anuário
registra: “Este antigo Templo foi ultimamente retocado as espensas do Exmo Sen “Barão da Estancia
no anno de 1898, cumprindo elle um voto antigo que havia feito ao mesmo Bom
Jesus dos Passos, fasendo na conclusão da obra, celebrar-se uma pompoza festa, comparecendo n’aquella
Cidade, a convite do mesmo senhor “Barão da Estancia, o Exmo Senr. Governador do Estado Dr Daniel
Campos e sua comitiva, a musica do Corpo de Policia, grande multidão de pessôas
desta Capital, Itaporanga, Larangeiras e das mais vizinhas” (Santiago, 2009, p.
73).
O célebre jurista Gumersindo Bessa
(1859-1913), nos “retalhos” (textos esparsos veiculados pela imprensa
sergipana) que foram reunidos e publicados, postumamente, na obra “Pela
imprensa e pelo fôro” (1916), deixou seu testemunho sobre o papel de destaque
ocupado pelo Barão da Estância nos atos em homenagem ao Senhor dos Passos. Referindo-se
à Procissão do Depósito realizada no segundo sábado da Quaresma do ano de 1886,
registrou Bessa:
“Vi ao pé da charola, numa posição indescriptivel de fidalgo e
penitente, um velho esguio, alto, aprumado, moreno, barba branca cerrada e
curta, cabelleira rebelde, trajado com elegancia e modestia, silencioso,
immovel, aguardando a sahida da procissão naquelle posto, para que ninguem lhe
roubasse o goso depôr aos hombros um dos varaes do andor. (...) No mesmo
instante entram na igreja o Manuel Góes, presidente da provincia, o Rastelli,
juiz de direito da comarca, e o Oséas, secretario do governo.
E,
vão entrando e vão dizendo:
– Sr.
‘Senador’, – diz o Góes.
– ‘Sr.
Barão’, diz o Rastelli.
– ‘Meu
chefe’, diz o Oséas.
Então
o vulto immovel falou. Palavra imprecisa, hesitante, acanhada; mas com tal
timbre de dignidade e affirmação de si, que se sentia uma alma nobre alli
dentro e um homem incapaz de uma falsidade.
Isto
passou.
O
velho Barão da Estância descança em Deus, abençoado pelos que tiveram o prazer
de ser seus amigos” (Bessa,
1916, p. 74-75).
Em
concordância com os registros legados por Serafim Santiago e Gumersindo Bessa, estão
o texto de memórias de Aurélia Dias Rollemberg (1863-1952), filha do Barão da
Estância e de dona Lourença de Almeida Dias Mello (1848-1890); e o testamento
do próprio Barão da Estância, aberto em 1904, em sua casa de residência na
cidade de São Cristóvão. Daremos voz a esses testemunhos no terceiro e último
artigo desta série. (Continua)
*Artigo
publicado Jornal da Cidade. Aracaju,
13 e 14/4/2014 (caderno B, página 5).
**Samuel
Albuquerque é Professor da UFS e presidente do IHGSE. E-mail: samuel@ihgse.org.br
FONTES UTILIZADAS:
BESSA,
Gumersindo. “Pela imprensa e pelo fôro”. Aracaju: Imprensa Popular, 1916.
SANTIAGO,
Serafim. “Annuario Christovense ou Cidade de São Christovão”. São Cristóvão:
Editora UFS, 2009.
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