Praça São Francisco, imagem de 1920. |
José Thiago da Silva Filho*
Minha curta experiência na gestão do
Museu Histórico de Sergipe já rendeu além de trabalho, algumas produções
acadêmicas, intervenções artísticas na comunidade, pleitos de reconhecimento e
muitos causos para animar a velhice. A este respeito observo que na maioria das
cidades coloniais brasileiras quatro estórias alimentam a mitologia, o folclore
e o bolso de conversadores que se intitulam guias de turismo; são elas: aqui
tem passagens (túneis), aqui teve forca, aqui tem botija enterrada, tem
fantasmas!
Essas estórias integram um repertório de
levar ao êxtase qualquer platéia senão pela veracidade do conteúdo ao menos
pelo riso. Fiz destas preciosidades – ou seriam preciosismos? - objeto da
palestra “O anedotário de São Cristóvão” no ano passado. Em alguma cidade
colonial, talvez, uma ou outra destas fantasias ocorram; hoje sabemos dos casos
de botija, por exemplo, que endossaram generalizações as mais absurdas. Vejamos
o caso da forca de São Cristóvão. Todos os visitantes que na infância
conheceram o prédio do Museu Histórico de Sergipe na função de Sindicato dos
Trabalhadores da Industria Têxtil, entre os anos de 1949 e 1954, perguntam pela “pedra da forca” que ficava
guardada numa das salas. Assim fez no sábado, 19 de julho, o visitante José
Juarez Leite, 75 anos, que estudou na Escola Operária Barão de Mauá. Pelo seu
depoimento a escola era uma sala de aula em que a turma era composta por filhos
de operários e as aulas eram ministradas pela professora Arasceles Rodrigues
Correia. (1)
Sabemos que até os anos de 1940 havia um
pedestal quadrangular próximo ao cruzeiro da Praça São Francisco. Foi aquele
bloco que gerou na verve popular a suspeita da existência da forca na
ex-capital. Ali ficaria o cadafalso, o lugar das execuções dos criminosos
perante os representantes da justiça e do povo. Infelizmente, das
possibilidades aventadas pela minha investigação nenhuma respalda os
enforcamentos na praça pública. Então, qual seria mesmo a origem da base pétrea
desmontada e recolhida no sobrado do antigo Palácio Provincial?
UM CATAVENTO? - Encontrei a primeira pista numa
publicação de 1920, de autoria de Clodomir Silva, intitulada Álbum de Sergipe. A obra que festeja o
centenário da Emancipação Política de Sergipe da Bahia (1820/1920) constitui um
esforço intelectual de fôlego pois objetiva traçar um panorama histórico,
político, cultural, econômico e social dos 34 municípios a época, com um
alentado preâmbulo sobre o passado do Estado. Nas duas fotografias das praças
(Carmo e São Francisco) vemos cataventos responsáveis pela força eólica a
bombear água para servir a população.(2) Como nos dois casos os beneficiados
eram especialmente os religiosos, considero possível que esta melhoria faça
parte das ações desencadeadas com a chegada dos franciscanos em 1906. o que é
certo afirmar é que a instalação de cataventos na cidade deu-se no início do
século XX.
Durante a primeira etapa da organização
do Arquivo Municipal de São Cristóvão em 2006, encontrei um documento valioso
sobre o assunto. No Livro de Atos do Governo Municipal de São Cristóvão (1904 e
1930), verso da página 18, o secretário Umbelino Pereira transcreve ofícios
endereçados ao Intendente de Lagarto, com cópia ao padre Possidônio Pinheiro da
Rocha, daquela paróquia, datada de fevereiro ou março do ano de 1929. Lemos o
conteúdo: “Sciente essa Intendencia que se acha ahi na cidade de Lagarto parte
no mercado público e parte em uma igreja peças de um catavento que pertence a
intendência municipal d'aqui indo parar ahi conforme informações colhidas de
pessoas que sabem do cazo por empréstimo feito pelo Doutor Graccho Cardoso ao
Reverendo Possidônio e actualmente temos precisão do dito chafariz venho
solicitar officios de V. Sa. a fim de ser entregue pela intendencia d'ahi ou
por quem esteja de posse aguardando vossa resposta afim de mandar reconduzir
para aqui”.(3)
Atente que ele implora a atenção do
intendente da cidade de Lagarto e do seu pároco para resolver um problema:
“precisão do dito chafariz”. Fato é que até os idos de 1980, o centro histórico
de São Cristóvão possuía vestígios de pelo menos 3 chafarizes, hoje ausentes da
paisagem assim como os antigos cataventos que na carta citada aparecem como
sinônimos.
Diante das poucas provas amealhadas, não
tenho a certeza dos ex-alunos da escola do sindicato instalado no antigo
sobrado, hoje Museu Histórico de Sergipe, sobre a pedra da forca. Eles ainda
falam com um olhar carregado de espanto sobre o assunto que envolve
assombrações do prédio, os fantasmas que arrastavam correntes pelos corredores,
almas penadas. (continua)
* José Thiago da
Silva Filho (ou Thiago Fragata) é historiador e poeta; especialista em História
Cultural pela UFS; sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
(IHGSE), membro do Grupo de Pesquisa Culturas, Identidades e Religiosidades
(GPCIR/CNPq); Diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS/Secult). Email: thiagofragata@gmail.com Artigo publicado no JORNAL DA CIDADE. Aracaju, ano XLIII, N. 12620, 2/8/2014, p. B-6.
FONTES DE PESQUISA
1 - Entrevista de José
Juarez Leite concedida a Thiago Fragata. São Cristóvão, 19 de julho de
2014.
2 - SILVA, Clodomir. Album de Sergipe
(1820/1920). Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1920, p. 281 e 283.
3 - Livro de Atos do Governo
Municipal de São Cristóvão (1904 e 1930).
Arquivo da Prefeitura Municipal de São Cristóvão. Manuscrito.
IMAGEM:
Praça São Francisco publicada no Álbum de Sergipe, de Clodomir Silva, 1920, p.
283.
Prezado Professor Thiago Fragata.
ResponderExcluirAte p final da decada de 1980 existiam o chafariz situado atras da predio da prefeitura, no fundo do quintal, destinado ao 'queima', local onde os muares ficavam apreendidos; um outro na rua almirante aminthas jorge, na esquina do beco entre as casas de seu Leite e dona Joaninha das queixadas; e um outro na 'Avenida', em plena rua, de forma circular, ao lado da barbearia de Renan e em frente a casa onde mora Marcos de Manoel Thiago.
Quanto "a base pétrea desmontada e recolhida no sobrado do antigo Palácio Provincial", acaso esteja a se referir a situada no piso terreo, logo na entrada ao lado direito, quando de sua montagem (da qual participei) a informaçao - de Lauro Barreto entao Diretor do IPHAN em Salvador-BA - era que se tratava de resquicios, ruinas de uma antiga igreja de santo amaro das brotas. De fato aquelas peças estavam ao relento, na praça sao francisco, ate 1964. Dai a imaginaçao popular dizer escombros da força (usualmente construçao provisória, nao esculpida, ao contrario do pelourinho).
A Escola Reunida Visconde de Mauá - 'comedor de jaba' - funcionou nesse predio até 1959, em salas terreas situada a esquerda da entrada.No ano seguinte passou a funcionar na rua das flores, em casa vizinha ao convento do carmo, bem em frente as ruinas do antigo sobrado do coronel ivo do prado.
penso ser uma historia interessante a de 'Leleta', tia de 'Zeca Amarelo', conhecida como antiga Condessa...
abraços