Antigo Palácio Provincial |
José Thiago da Silva Filho*
No romance O
Encontro com o outro (1983), de José de Sacramento, ele contextualiza São
Cristóvão da década de 1950. Consta o Sindicato os Operários de São Cristóvão e
nele funcionando secretaria, gabinete odontológico e sala de jogos na parte
superior do sobrado onde seria instalado o Museu Histórico de Sergipe em 1960.
Pelo que se depreende da brincadeira do personagem Cresio que levou a
secretária Valdete a incontinência urinária, o prédio era assombrado por um
ilustre fantasma. O jovem explica que a alma do Governador Inácio Joaquim
Barbosa arrastava correntes pelos corredores, penando pelo seu maior pecado
segundo os bairristas sancristovenses: mudar a capital para Aracaju em 1855.
(1) De uma forma ou de outra, fantasmas é outra estória recorrente que alimenta
o gosto da plateia e não por acaso tematiza obras da literatura e do cinema como
tema inoxidável.
Os fantasmas
dos sobrados, conventos e igrejas seculares de São Cristóvão inspiraram a
poética de Freire Ribeiro, a crônica de Junot Silveira e a ironia de José
Calasans e até Câmara Cascudo na rápida visita que fez a velha cidade em abril
de 1951. Pouca gente sabe disso, aliás pouca gente sabe o quanto ainda se
relaciona cidade colonial com velhos fantasmas.
Velhos
fantasmas é o nome da canção da banda sergipana Sibberia, que tendo conquistado
um festival de música em 2011, ganhou o privilégio de gravar o clip no interior
do Museu Histórico de Sergipe. O enredo trata do romance entre um homem e a
alma de sua falecida amada que reside num antigo sobrado. Gravada na madrugada
de 11 de junho daquele ano, o clip pode ser consultada na internet. http://letras.mus.br/sibberia/1096746/
O poeta Freire
Ribeiro dedicou seu livro “São Cristovão
de Sergipe D'El Rey” publicado em 1971, “às almas penadas que nos deixaram
dormir tranquilamente... num velho e mal-assombrado Palácio”. Na beleza poética
de sua comovente obra, João Bebe-Água é quem aparece como um fantasma de um
sonho ou promessa: o retorno da capital para São Cristóvão.
BEBE-ÁGUA
Freire
Ribeiro
Sentado na
noite
Num trono de
estrelas
Bebe-Água
conversa
Com a velha
cidade!...
Regressou do
outro-mundo
E do sono
profundo
Que a morte
derrama
Com mãos de
veludo
Nos olhos dos
vivos
Sejam reis ou
cativos!...
Bebe-água
cochicha
Nas sombras
da noite
Com as velhas
igrejas!...
É fantasma de
um sonho,
É o próprio
lamento
Do ontem
vestindo
O burel do
passado
Na paz dum
convento!
Os mortos
retornam
Em sonhos
amados,
Revendo, na
vida,
As cousas
passadas!...
Conversa um
sobrado
Que está
caducando
Com João
Bebe-Água
Com ele
lembrando
À luz de
outra idade,
Os dias de
glória
Da velha
cidade!
Ilustres
figuras
Egrégios
senhores,
Humildes
escravos
- sinhazinhas
amadas
Que, na
morte, abrumadas
Não sentem da
vida
A luz e o
calor!
Com chagas
imensas
No corpo
invisível
- as chagas
do pranto
Nos olhos da
dor.
Bebe-Água,
coitado
Revendo o
passado
Bebe-Água é
saudade
Bebe-Água é
amor!... (2)
Os fantasmas e
a morte nas cidades coloniais nem sempre tiveram o patíbulo armado na praça
central como ponto de encontro a divertir multidões. Considero improvável que a
pedra procurada pelos ex-alunos da Escola do Sindicato dos Operários que
funcionou entre os anos de 1949 e 1954 nas dependências do atual Museu
Histórico de Sergipe tenha pertencido a uma forca, talvez a um catavento (equipamento
para bombear água). Ironicamente, a cidade abençoado com as águas cristalinas
da Imperial, Santa Cecília, Lev, São Cristóvão, tem no Serviço de Abastecimento
de Água e Esgoto (SAAE), autarquia da Prefeitura Municipal, um carrasco a
servir a população sancristovense água barrenta e onerosa - desculpem o
trocadilho! - pela hora da morte. (continua)
* José Thiago da
Silva Filho (ou Thiago Fragata) é historiador e poeta; especialista em História
Cultural pela UFS; sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
(IHGSE), membro do Grupo de Pesquisa Culturas, Identidades e Religiosidades
(GPCIR/CNPq); Diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS/Secult). Email: thiagofragata@gmail.com Publicado no JORNAL DA CIDADE. Aracaju, ano XLIII, n. 12.623, 6/8/2014, p. B-6.
FONTES DE PESQUISA
1 - SACRAMENTO, José do. O
Encontro com o outro. Aracaju: Segrase, 1983, p. 75.
2 - RIBEIRO, João Freire. São
Cristóvão em Sergipe Del-Rey (poesias). 1971, p. 7 e 18.
Imagem: Antigo Palácio Provincial. Década 1940. Acervo digital do MHS.
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