Relógio do Sol que fica no pátio do Seminário Diocesano (Paraíba) |
José Thiago da Silva Filho*
No ruidoso mundo atual, silêncio e
cemitério assumiram condição de sinônimos. Mesmo diante de obras de arte
excepcionais e templos seculares que convidam a contemplação poucas pessoas
desenvolvem a sensibilidade do olhar. Em uma de suas crônicas, o jornalista
Junot Silveira recomenda aos visitantes como visitar “São Cristóvão de minha saudade”,
este é o título da obra que diz assim:
“Deve-se chegar
a São Cristóvão como ensina o poeta, caminhando mansamente, pisando de leve
como pisam os pássaros no seu no seu andar nervoso. Assim, respira-se melhor o
ar da cidade antiga, penetra-se mais profundamente na sua atmosfera colonial,
integra-se na sua tradição, na sua glória, na sua paisagem e nos seus costumes.
(…) o melhor mesmo, em São Cristóvão, é adotar a receita do poeta. É o mais
condizente para o visitante respeitoso, que não perde a calma e a sabedoria.
(…) São Cristóvão não é para os grupos ruidosos nem o visitante apressado”. (1)
Ou seja, é preciso mesmo esquecer o relógio e a maratona que alguns receptivos
organizam para o turista conhecer as cidades históricas. E por falar em
relógio, está na hora de voltar ao caso da pedra da força...
Se a pedra que
ficava guardada num quarto isolado do antigo Sindicato dos Operários de São
Cristóvão não foi base da forca, ela pode também não ter sido base de um
catavento. Em 1902, Laudelino Freire publicou Quadro Chorografico de Sergipe. Nesta obra, página 150, jaz uma
informação pertinente que re-orienta nossa investigação para a possibilidade da
pedra em questão ter pertencido a um rudimentar relógio de sol ou relógio de
água. Autor escreve que na Praça São Francisco, há pouca distância do cruzeiro
em ruinas ficava a coluna “da elepsydra”.(2)!?
Depois de
consultar alguns dicionários do século XIX e mesmo o Grande e Novíssimo
Dicionário da Língua Portuguesa (1935) publicado por ele, Laudelino Freire,
percebi que a palavra elepsydra não existe. Acredito que o erro foi problema de
impressão ou descuido do autor; na correta grafia seria clepsydra. Clepsidra ou
Clepsydra, informa o citado dicionário, é um “relógio de água usado pelos
antigos”.(3)
Catavento, chafariz, água, clepsidra...
desculpem! Não irei especular o mecanismo hidráulico, o desenho da engenhoca.
Deixo as informações coligidas e divulgadas por conta de futuros pesquisadores
interessados no caso enigmático. Se o relógio que se reportou Laudelino Freire
fosse um relógio do sol em pedra calcárea, creio, seria a semelhança do que
existe na Paraíba, no pátio interno do antigo Seminário Diocesano, na Igreja de
São Francisco.
Uma consideração
final. Para cada um dos
casos pitorescos colhido entre os seus, o memorialista sancristovense Serafim
Sant'iago pontuava no seu anuário como sendo “mais uma anedocta”.(4) Pois bem,
fiz a minha crônica em cima dos indícios de Clodomir Silva e Laudelino Freire
misturados ao anedotário popular, as estórias, causos que ainda se contam na
cidade histórica. Escutei, compartilhei a luz de hipótese e da imaginação uma
gênese da rumorosa pedra da forca que durante um tempo, década de 1940 e 1950,
ficou recolhida numa das salas do antigo Palácio Provincial, hoje Museu
Histórico de Sergipe. Sobre a hipótese na História, esclarece Besselaar numa
obra indispensável a formação de pesquisadores comprometidos com investigações
desafiadoras, “trata-se de uma explicação provisória de fatos insuficientemente
abonados pelos documentos ainda existentes”. Quanto a imaginação, elemento
difícil de dosar com os dados colhidos no exercício da escrita – isso porque um
deslize definirá o produto como essencialmente ficcional – incentiva o
insuperável manual Introdução aos Estudos Históricos “não se escrevem
certas páginas da História sem a ajuda da imaginação”.(5)
O anedotário apresentou o caso da pedra
da forca com um mínimo de rigor cientifico e imaginação. Lançar
hipóteses é algo por demais temerário para quem tem reputação de pesquisador,
neste caso gostaria de esclarecer ao leitor - quem sabe um pesquisador da nossa
História -, que meu esforço é justamente este: lançar hipóteses. Isto sempre
trás um tanto de ousadia, crescente ousadia. (fim)
* José Thiago da Silva Filho (ou Thiago
Fragata) é historiador e poeta; especialista em História Cultural pela UFS;
sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), membro do Grupo
de Pesquisa Culturas, Identidades e Religiosidades (GPCIR/CNPq); Diretor do
Museu Histórico de Sergipe (MHS/Secult). Email: thiagofragata@gmail.com Publicado no JORNAL DA CIDADE. Aracaju, ano XLIII, N. 12.628,
12/8/2014, p. B-6.
FONTES DE PESQUISA
([1])
SILVEIRA, Junot. São
Cristóvão de minha saudade. In: São Cristóvão Del Rei. Governo de
Sergipe: Imprensa Official da Bahia, 1969.
(2)
FREIRE, Laudelino.
Quadro Chorografico de Sergipe.
Paris/Rio de Janeiro: Guarnier Livreiro-editor, 1902, p. 150.
(3)
FREIRE, Laudelino.
Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa - Vol II.
2ª. Rio de Janeiro: livraria José Olympio Ed., 1954 (1ª. Ed. 1935), p. 1428.
(4)
SANTIAGO, Serafim.
Annuário Christovense ou cidade de São
Cristóvão. São Cristóvão: EDUFS, 2009.
(5)
BASSELAAR, José
Van Den. Introdução aos estudos
históricos. 5ª. Ed. São Paulo, EPU, 1979, p. 266 e 272.
IMAGEM: Relógio do Sol, pátio interno do antigo Seminário Diocesano, na Igreja de
São Francisco. Paraíba. Capturado em 20/07/2014 http://www.bancodaimagemedosom.blogger.com.br/
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