MONTEIRO LOBATO POLEMIZADO NUMA RODA DE LEITURA


Alunos dos Colégio Estadual Padre Gaspar Lourenço e do Colégio Estadual Deputado Elísio Carmelo prestigaram na tarde de ontem, 18 de abril, dia Nacional do Livro Infantil, a Roda de Leitura "Polemizando Monteiro Lobato", realizada pelo Museu Histórico de Sergipe, instituição subordinada a Secretaria de Estado da Cultura (SECULT).

Thiago Fragata, diretor do MHS, coordenou o evento que em razão da presença do público aconteceu na Igreja Santa Isabel. Os convidados Aglacy Mary, Ramon Diego, Kleckstane Farias e Maria Gloria fizeram leitura e comentários acerca dos textos lobatianos selecionados para destacar 5 polêmicas. Aconteceu ainda mostra do vídeo "Monteiro Lobato e o futebol" e veiculação da última entrevista concedida por Monteiro Lobato para o rádio.  


POLÊMICA 1 - MONTEIRO LOBATO É RACISTA!
A partir da leitura dos trechos da obra "As caçadas de Pedrinho (1933)", questionados em 2010 junto ao Conselho Nacional de Educação/Ministerio da Educação, como de teor racista é que a educadora e poetisa Aglacy Mary apresentou uma intervenção intitulada "Monteiro Lobato hoje, nas escolas". Ela centrou no professor e no sistema educacional os cuidados sobre o uso das obras infantis de forma geral. Interagindo com a platéia de estudantes, ela apresentou situações diárias que mascaram preconceito, racismo, que é considerado crime pela Constituição de 1988. Enquando intelectual do seu tempo - primeira metade do século XX - Lobato acreditava na superioridade dos europeus, na teoria do branqueamento, ele foi um entusiasta das ideias eugênicas. Naquele contexto histórico tais absurdos não era crime, o raciscmo não era crime. Depois de chegar a anunciar a censura da obra "As caçadas de Pedrinho", o CNE, liberou a obra mediante a fixação de nota explicativas dos trechos polêmicos. 

Uma a uma, outras polêmicas da vida e obra de Monteiro Lobato foram discutidas a partir dos textos que foram compartilhados. Ainda foram divulgado vídeo "Monteiro Lobato e o futebol" e todos ouviram atentamente a última entrevista concedida pelo escritor homenageado. 

Confira textos e imagens da Roda de Leitura "Polemizando Monteiro Lobato".
Kleckstane Farias leu a poesia Passageiros da Imaginação, de Aglacy Mary


PASSAGEIROS DA IMAGINAÇÃO

Que viagem mais fantástica
nós todos podemos fazer.
quer saber qual a passagem?
basta um livro para ler.

Se é com monteiro lobato,
você pode passear
no Sítio do Picapau Amarelo
ou em qualquer outro lugar.

Curioso como era,
Lobato descobriu
terras e mares afora
sem esquecer do Brasil.

Se gosta de traquinagem,
sei que vai se divertir
nas páginas que contam
as aventuras do Saci.

Seja tagarela ou meio calado,
tenho certeza; não me engano
você vai gostar de Emília,
uma linda boneca de pano.

Conheça também a Lúcia,
menina chamada Narizinho:
ela vai sempre ao ribeirão
dar comida aos peixinhos.

Com um estilingue na mala,
chegou alegre que só:
Pedrinho veio passar férias
no sítio da sua vó.

um pé aqui, outro aqui mesmo,
seu Jabuti vai devagar.
tanta carta na mochila
um dia ele consegue entregar.

Se o seu caso é ciência,
se é pessoa estudiosa,
vai logo se envolver
com o Visconde de Sabugosa.

Esquisitice é com ela mesma.
com aquela cara de jacaré,
a dona Cuca apronta todas
e salve-se quem puder.

Quem morre de medo da Cuca,
quem corre de sua careta,
faz bolinhos deliciosos:
é Nastácia – a tia preta.

E quem corre de tia Nastácia
é Rabicó, o porquinho.
se ele não se cuidar,
vai virar mesmo torresminho.

Quantos versos ainda
eu poderia recitar
para falar dessa turma
que Lobato foi inventar?

Seriam quilômetros de poema,
mas por aqui eu vou parar
lembrando de um personagem
que não poderia faltar:

Com tanta danação,
como é que ela aguenta?
deve ter mesmo muito amor
o coração da Vovó Benta.


POLÊMICA 2 - MONTEIRO LOBATO FOLCLORISTA!
Thiago Fragata destacou a contribuição de Lobato para o folclore
MONTEIRO LOBATO, O FOLCLORISTA (TRECHO)
(...)
Nacionalista, Lobato condenava veementemente a influência estrangeira, dita civilizada e moderna, sobre os vários segmentos da cultura nacional. Daí as restrições à matriz inspiradora de alguns articuladores da Semana de Arte Moderna, de 1922, uma vez que defendia o desenraizamento cultural do país. As páginas d“O Estado de São Paulo” foram veículo de seu pensamento e ação. No artigo “A criação do estilo”, publicado em 6 de janeiro de 1917, sugere a incorporação dos elementos do nosso folclore nos cursos de arte, especialmente no Liceu de Artes e Ofícios. Conclama que se realize o “7 de setembro estético”, tendo como paradigma o Saci. 
 
Embalado pela nota audaciosa, o referido jornal inaugura a coluna “Mitologia Brasílica” convidando os leitores a colaborar na descrição do ente fantástico, filho do inconsciente coletivo. O diário apresenta o seguinte questionário etnográfico: a) qual a concepção pessoal do Saci? Como a recebeu na infância? De quem a recebeu? Qual a forma atual da crendice na zona rural em que reside? c) que história e casos interessantes, “passados ou ouvidos”, sabe a respeito do Saci? A iniciativa gerou correspondência dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, decorrente da “técnica de coleta de dados até então inédita entre os estudiosos do folclore”.
 
Aproveitando o sucesso da nova “estrela da imprensa paulistana”, Revista do Brasil, de outubro de 1917, divulga polcas, valsas e tangos que tematizam o ícone do folclore nacional. E anuncia concurso de artes plásticas, desafiando os artistas a imortalizarem na tela a mais importante figura do imaginário brasileiro. Concorreram obras de estrangeiros e artistas locais, dentre esses vale ressaltar Celso Mendes, Joab de Castro e Anita Malfatti. A comissão julgadora do certame, ocorrido no dia 18 de outubro de 1919, era composta por Amadeu Amaral, Wasth Rodrigues e o próprio Monteiro Lobato. Roberto Cipicchia venceu com a obra “Saci na cavalhada”, que segundo Lobato teve “interpretação romântica, muito sensata e harmoniosa”.



POLÊMICA 3 - EXPOSIÇÃO DE ANITA MALFATTI
Poeta Ramon Diego leu e comentou crítica de Monteiro Lobato
PARANÓIA OU MISTIFICAÇÃO?

Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêm as coisas e em consequência fazem arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados, para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres.

Quem trilha esta senda, se tem gênio é Praxiteles na Grecia, é Rafael na Itália, é Reynolds na Inglaterra, é Dürer na Alemanha, é Zorn na Suécia, é Rodin na França, é Zuloaga na Espanha. Se tem apenas talento, vai engrossar a plêiade de satélites que gravitam em torno desses sóis imorredoiros.

A outra espécie é formada dos que vêm anormalmente a natureza e a interpretam à luz das teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento. (...) 

Embora se dêem como novos, como precursores de uma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu como a paranóia e a mistificação.

De há muito que a estudam os psiquiatras em seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios. 

A única diferença reside em que nos manicômios essa arte é sincera, produto lógico dos cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas zabumbadas pela imprensa partidária mas não absorvidas pelo público que compra, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo tudo mistificação pura. (...) 

Os homens têm o vezo de não tomar a sério as mulheres artistas. Essa é a razão de as cumularem de amabilidades sempre que elas pedem opinião.

Tal cavalheirismo é falso; e sobre falso nocivo. Quantos talentos de primeira água não transviou, não arrastou por maus caminhos, o elogio incondicional e mentiroso? Se víssemos na Sra. Malfatti apenas a «moça prendada que pinta», como as há por aí às centenas, calar-nos-íamos, ou talvez lhe déssemos meia-dúzia desses adjetivos bombons que a crítica açucarada tem sempre à mão em se tratando de moças. Julgamo-la, porém, merecedora da alta homenagem que é ser tomada a sério e receber a respeito de sua arte uma opinião sinceríssima. (Monteiro Lobato, 1917)
 
POLÊMICA 4 - A DEFESA DO FERRO E DO PETRÓLEO
Arthur fez a leitura da carta que ocasionou a prisão de Monteiro Lobato em 1941



CARTA AO PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS



São Paulo, 20 de janeiro de 1935

Dr. Getúlio Vargas
 
Por intermédio do meu amigo Rônald de Carvalho, procurei no dia 15 do corrente, fazer chegar ao seu conhecimento uma exposição confidencial sobre o caso do petróleo, estou na incerteza se esse escrito chegou a destino. Talvez se perdesse no desastre do dia 20. E como se trata de documento de muita importância pelas revelações que faz, seria de toda conveniência que eu fosse informado a respeito. Nele denuncio as manobras da Standard Oil para senhorear-se das nossas melhores terras potencialmente petrolíferas, confissão feita em carta pelo próprio diretor dos serviços geológicos da Standard Oil of Argentina, que é o tentáculo do polvo que manipula o brasil. E isso com a cooperação efetiva do sr. Victor Oppenheim e Mark Malamphy, elementos seus que essa companhia insinuou ou no Serviço Geológico e agora dirigem tudo lá, sob o olho palerma e inocentíssimo do dr. Fleuri da Rocha. É de tal valor a confissão, que se eu der a público com os respectivos comentários o público ficará seriamente abalado.
 
Acabo agora de obter mai uma prova da duplicidade desse Oppenheim, cornaca do Fleuri. Em comunicação reservada que ele enviou para a Argentina ele diz justamente o contrário, quanto às possibilidades petrolíferas do Sul do Brasil, do que faz aqui o Fleuri pelos jornais, com o objetivo de embaraçar a marcha dos trabalhos da Companhia Petróleos.
 
O assunto é extremamente sério e faz jus ao exame sereno do Presidente da República, pois que as nossas melhores jazidas de minérios já caíram em mãos estrangeiras e no passo em que as coisas vão o mesmo se dará com as terras potencialmente petrolíferas. E já hoje ninguém poderá negar isso visto que tenho uma carta em que o chefe dos serviços geológicos da Standard ingenuamente confessa tudo, e declara que a intenção dessa companhia é manter o Brasil em estado de "escravização petrolífera".
Aproveito o ensejo para lembrar que ainda não recebi os papéis, ou estudos preliminares do serviço que V. Excia. Tinha em vista organizar, por ocasião do encontro que tivemos em fins do ano passado, no Palácio Guanabara.
 
Respeitosamente,
J. B. Monteiro Lobato


POLEMICA 5 - JECA TATU É O SERTANEJO!
Maria Gloria leu mais um artigo que gerou polêmica de Monteiro Lobato
VELHA PRAGA (TRECHO)

Quem foi o incendiário? Donde partiu o fogo? 
Indaga-se, descobre-se o Nero: é um urumbeva qualquer, de barba rala, amoitado num litro de terra litigiosa.
E agora? Que fazer? Processá-lo? Não há recurso legal contra ele. 
A única pena possível, barata, fácil e já estabelecida como praxe, é “tocá-lo”. Curioso este preceito: “ao caboclo, toca-se”. Toca-se, como se toca um cachorro importuno, ou uma galinha que vareja pela sala. E tão afeito anda ele a isso, que é comum ouví-lo dizer: “Se eu fizer tal coisa o senhor não me toca?”
Justiça sumária – que não pune, entretanto, dado o nomadismo do paciente.
Enquanto a mata arde, o caboclo regala-se. 
- Êta fogo bonito! 
No vazio de sua vida semi-selvagem, em que os incidentes são um jacú abatido, uma paca fisgada n’água ou o filho novimensal, a queimada é o grande espetáculo do ano, supremo regalo dos olhos e dos ouvidos.
Entrado setembro, começo das “águas”, o caboclo planta na terra em cinzas um bocado de milho, feijão e arroz; mas o valor da sua produção é nenhum diante dos males que para preparar uma quarta de chão ele semeou.
O caboclo é uma quantidade negativa. Tala cincoenta alqueires de terra para extrair deles o com que passar fome e frio durante o ano. Calcula as sementeiras pelo máximo da sua resistência às privações. Nem mais, nem menos. “Dando para passar fome”, sem virem a morrer disso, ele, a mulher e o cachorro – está tudo muito bem; assim fez o pai, o avô; assim fará a prole empanzinada que naquele momento brinca nua no terreiro. 
Quando se exaure a terra, o agregado muda de sítio. No lugar fica a tapera e o sapezeiro. Um ano que passe e só este atestará a sua estada ali; o mais se apaga como por encanto. A terra reabsorve os frágeis materiais da choça e, como nem sequer uma laranjeira ele plantou, nada mais lembra a passagem por ali do Manoel Peroba, do Chico Marimbondo, do Jéca Tatú ou outros sons ignaros, de dolorosa memória para a natureza circunvizinha. (Monteiro Lobato, 1914)
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