VIOLÊNCIA DOS FOGOS DE RÉVEILLON CONTRA VULNERÁVEIS



 


Thiago Fragata*
 
Os chineses inventaram a pólvora e criaram espetáculos pirotécnicos, mas foram outros povos (mongóis, turcos, árabes, europeus) que usariam a pólvora como artigo bélico visando superar inimigos nas guerras. Assim, a guerra e a festa tiveram por séculos a pólvora como elemento indispensável. Em junho, na cidade de Shenzen, na China, imagens de um dragão colorido voando nos céus a executar perfeitas evoluções impressionaram o mundo, especialmente porque o seu corpo era formado por 1500 drones. A pirotecnia foi aperfeiçoada pela tecnologia digital. Apesar da repercussão midiática, o caso passou desapercebido em nossa sociedade pelo extrato governista que pudesse tirar alguma lição. A tal lição que refiro-me foi a de silenciar a pirotecnia, existe uma boa justificativa: esforço deve ser baseado no respeito aos vulneráveis (pessoa com deficiência, idosos, acamados, animais). Será possível?

A queima de fogos do Ano Novo aproxima-se. Prefeituras e Governo de Sergipe, com certeza, despenderam recursos públicos para garantir a beleza visual e o barulho (poluição sonora) em nome da tradição. A humanização avança nas ações do poder público em pautas de saúde pública e assistência social, prova disso é que ano passado, respaldado em legislação municipal, algumas capitais aderiram aos fogos silenciosos no show do réveillon. São elas: Macapá/AP, Campo Grande/MS, Goiânia/GO, Belo Horizonte/MG, Curitiba/PR, Porto Alegre/RS, Recife/PE, Fortaleza/CE, Palmas/TO, Florianópolis/SC e João Pessoa/PB. A pergunta é: quando Aracaju e Governo de Sergipe integrarão essa lista, respeitando autistas, hospitalizados, convalescentes e animais?

Sabemos que o espetáculo de réveillon faz parte de uma tradição. Como pai de criança autista com hipersensibilidade auditiva (Aurora, 7 anos - TEA) e cuidador de um cachorro sensível ao barulho dos fogos de artifício (Pingo, 9 anos), apelo aos direitos individuais e ao direito animal, invoco ainda minha especialização em História Cultural, pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), para afirmar: quando uma tradição da sociedade promove sofrimento, faça uma vítima apenas, deve passar por uma mudança em nome do bem estar da coletividade. Os direitos humanos estão acima da tradição no que tange a saúde e a proteção da vida.

Como não se discute direitos de minorias em regimes fascistas, creio que a pauta (substituir a queima de fogos barulhentos por fogos silenciosos) seja pertinente, haja vista vivermos numa sociedade democrática, ao menos no discurso. E, sobre gestão da coisa pública, os gastos com o espetáculo pirotécnico acontecem com dinheiro do contribuinte, não deveria acontecer para satisfazer apenas a uma parcela da população. Quanto a isso, gestão não pode ser confundida com eleição, ocasião que vence voto/vontade da maioria da população. Um governo que realiza um espetáculo de queima de fogos que diverte uns e promove sofrimento a outros é, no mínimo, irresponsável, sádico.

Por tudo o que foi aventado, a tradicional queima de fogos barulhentos do réveillon deve passar por mudanças. No dia 3 de outubro do corrente ano, a Comissão de Educação e Cultura do Senado aprovou o projeto de Lei (PL no 5/2022) que proíbe a fabricação, o armazenamento, a importação, a comercialização, a distribuição, o transporte e o uso de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam estampidos, famosos fogos barulhentos. A agenda é que o projeto seja encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça, próximo ano, visando cuidar das pessoas sensíveis ao ruído e proteger os animais. Um detalhe pertinente: o veto não se aplica a fogos sem ruído, que produzem apenas efeitos visuais, também conhecido como fogos silenciosos. 
 
 


*Historiador, multiartista, cidadão.E-mail: thiagofragata@gmail.com
Texto publicado no JORNAL DO DIA. Aracaju, Aracaju, ano XIX, n. 5941, 30/12/2023 a 2/1/2024, p. 2


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