Manoel Ferreira e Leonel Brizola, 1982. |
Thiago Fragata**
A voz grave e maviosa de Manoel
Ferreira, exímio orador,
encontrava a acústica perfeita
nos conventos seculares e no antigo Palácio Provincial, atual Museu
Histórico de Sergipe. Inúmeras plateias e comitivas foram
surpreendidas por suas intervenções, que sempre eram substanciadas
por versos, maioria de sua lavra. Irei tratar da sua oratória e da
poeticidade.
No
primeiro trimestre, quando deixou a direção do Museu Histórico de
Sergipe, em 1971, o vice-presidente da gestão Garrastazu Médici:
Augusto Rademaker chegou ao Estado em visita oficial. Em sua agenda,
constava uma ida à ex-capital (São Cristóvão). Era unânime a
opinião de que Manoel Ferreira era o cicerone ideal, porém ele não
trabalhava na instituição cultural. Resumo, o governador veio até
São Cristóvão no dia anterior rogar ao poeta uma recepção à
altura da ocasião. Sobre o sucesso, basta informar que, semanas
depois, o poeta integraria o quadro de pessoal do novo governo.
Augusto Rademaker era um militar linha
dura, um dos figurões execráveis do triste período conhecido como
Ditadura Militar. Infelizmente, muitos cidadãos
brasileiros que se opuseram às vicissitudes da realidade política
imposta foram perseguidos, torturados e mortos, com o aceno de
militares como Rademaker. Sisudo, o militar chegou a exibir o riso
num momento descontraído da palestra
proferida por Manoel Ferreira.
Vendo
a foto da recepção oferecida ao vice-presidente Augusto Rademaker,
registro de 1971, guardada como relíquia no acervo familiar, recordo
outra mais recente, de 1982, quando Manoel Ferreira, na condição de
candidato ao governo de Sergipe pelo seu partido (PDT), recebeu
Leonel Brizola, que peregrinou no Estado angariando votos para o seu
distinto correligionário.
Memórias em confronto, dois encontros
de Manoel Ferreira com
políticos de ideologias opostas. Sua performance era impecável
como anfitrião, cicerone de uma grandiloquência que emendava versos
e oportunas passagens bíblicas. Teremos
saudades do homem, da sua voz inconfundível. (1)
Batizei ele “poeta onomástico”
pois seus versos brotavam diariamente, era uma necessidade básica.
Também, seu mote inspirador era a data comemorativa, o santo ou a
personalidade que iria encontrar no dia, o evento agendado ou visita
surpresa. Por isso, muitos receberam suas poesias em dias de
aniversário, casamento, formaturas, conquistas, chegadas,
despedidas, ou inaugurações, enfim, momentos importantes que
mereceram ganhar versos para ficarem eternizados por esses versos.
Acrósticos, ele também cultivava essa arte que consiste em formar
frases a partir das iniciais do nome do homenageado.
Impossível
dizer quantos poemas e/ou acrósticos ele fez. Infelizmente, o vate
prolífero nunca publicou livro. Dizia que “tudo precisava de uma
boa revisão” ou que produzia apenas “versos simples”.
A
oratória dele cativava plateias, e suas intervenções não
constavam na programação dos eventos. Eram, de fato, maravilhosas
intervenções. Uma posse, aniversário, batismo, missa; da multidão
ecoava uma voz grave e aveludada, era ele quebrando o silêncio e/ou
a modorra. Se ele convertia ouvintes? Não
sei, mas o depoimento da professora universitária Maria Batista Lima
Silva deve constar no tópico. Durante uma de suas palestras, no IV
Círculo dos Ogãs, dia 30 de outubro de 2013, a pesquisadora das
questões étnico-raciais revelou que decidiu estudar o tema depois
que assistiu a uma intervenção que Manoel Ferreira Santos na
distante
década de 1990. “Foi no Convento do Carmo, ele encerrou recitando
a poesia Deus Negro, de Neimar de Barros”. A poesia era uma de suas
prediletas pois discorria sobre um tema que lhe era muito caro, o
racismo. Ela tem 76 versos! (2)
Ao
recitar uma obra de fôlego, com todos os versos, de forma
irretocável, o poeta impressionava. Festejado em sua comunidade,
especialmente, na comunidade estudantil do Colégio Estadual Senador
Paulo Sarazate, foi convidado para compor o júri de uma gincana
cultural nos idos de 1979. Na ocasião, a poetisa Maria Glória, na
época, estudante do 7º ano, testemunhou mais uma façanha do
memorioso. Ele percebeu que um
jovem omitiu versos do “Navio Negreiro”, de Castro Alves;
“mutilou o poema” justificou
o exigente jurado. Detalhe: o poema em questão contém 240 versos!
(3)
Eis
um pouco do orador, do poeta onomástico, do agente cultural Manoel
Ferreira. De fato, sua folha de serviços prestados ao município de
São Cristóvão é extensa. Temendo que o legado se perca no
completo esquecimento e omissão reclamada pelo padre Valtervan
Correia Cruz, sugiro
que entidades, como o Museu Histórico de Sergipe, organizem um
evento, seminário ou roda de conversa para desvelar o homem e sua
obra. Muitos diziam que o poeta onomástico era um homem a merecer
estátua numa das praças da cidade que ele adotou como sua e tanto
trabalhou para seu desenvolvimento. Em sua humildade cristã, Manoel
Ferreira discordava de tamanho galardão. Vezes, desconversava ou
silenciava, mas exultava com a boa opinião dos amigos(as). Também
discordava: achava que ele merecia mais que isso. Aliás, este foi o
tema inspirador de uma poesia ofertada no seu último aniversário:
Eis
o vosso merecimento
o
veredicto neste natalício:
estátua
na praça!?
mas
se festeja 93 anos, Manoel Ferreira,
a
cidade é que tem sorte
pois
o bronze negaria a estatura do teu porte
mesmo
o ouro ocultaria o valor do teu caráter.
Amigo,
o mármore seria frio demais para vossos pés
continuai
assim um pensador orfão de Rodin
louvando
o teu Senhor, rezando poesias
pois
versículo é diminutivo da palavra verso.(4)
* Artigo publicado no
jornal Tribuna Sergipe Del Rey. São Cristóvão. N. 4, setembro
2015, p. 4.
**Thiago Fragata é poeta e historiador. Email: thiagofragata@gmail.com
NOTAS
DA PESQUISA
1
- Entrevistas com Manoel Ferreira Santos. São Cristóvão, 14 de
outubro 2014.
2
- Depoimento de Maria Batista Silva, São Cristóvão. 30 de Outubro
de 2013.
3
- Depoimento de Maria Gloria Santos, São Cristóvão. 10 de Julho de
2015.
4
- Manoel Ferreira Santos, poesia de Thiago Fragata. Inédita.
Crédito
da Imagem: Leonel Brizola e Manoel Ferreira Santos. Folheto da
candidatura deste ao Governo do Estado, 1982.
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