Sergipe é o menor Estado do país. Um detalhe curioso revelado pelos estudiosos da identidade sergipana ou da sergipanidade é a megalomania nos fatos e feitos dos seus filhos ilustres, talvez para compensar o pequenino território. Um e outro figuram acompanhado dos adjetivos maior, melhor, pioneiro ou primeiro; do Brasil ou do mundo! Testemunhei últimos acontecimentos de flagrante preconceito contra negros, inclusive repercutido na imprensa, por isso a certeza de que esse Estado é o mais racista desse país racista. Alguém duvida? Tenho provas para submeter ao juízo. Vejamos dois casos de natureza diversa, mas que escancaram o crime motivado pela abjeta discriminação racial que resiste como uma herança maldita dos tempos da escravidão africana. Exponho para que autoridades comprometidas na luta antirracista possam desobstruir os entraves infundados que o corporativismo do Estado racista criou para tergiversar investigações, reparações, indenizações.
CASO GENIVALDO – Genivaldo de Jesus Santos, sergipano, 38 anos, era pai de uma criança de 7 anos e o responsável pelo sustento da família. Na tarde de 25 de maio de 2022, foi parado com sua moto pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), na BR-101, na cidade de Umbaúba. A priori, o motivo teria sido a falta do capacete. Não demorou os policiais jogaram a vítima, um negro com deficiência intelectual, na viatura e jogaram gás, asfixiando a vítima. Sádicos, os criminosos executaram a vítima na frente das câmeras dos celulares de curiosos; ignoraram o aviso de um familiar de que se tratava de um esquizofrênico com dificuldades de estabelecer comunicação com os agentes. Pelo requinte e crueldade desvelada pelos agentes do Estado brasileiro, veículos de imprensa internacional compararam o caso a câmara de gás do regime nazista. Dezenas de entidades que militam pelos Direitos Humanos se manifestaram; dentre estas a OAB que pediu prisão cautelar dos policiais e a ONU que solicitou celeridade nas investigações visando a punição aos culpados.
Apesar do episódio revelar um projeto de extermínio em curso implementado pelo Estado Brasileiro, especificamente para populações pobres e negras, até o presente os agentes não foram presos. A PRF, de imediato, tentou “blindar seus agentes” impondo sigilo de 100 anos sobre o caso, como faz o chefe do Poder Executivo que, aliás, já deu sobejas provas de seu racismo. Genivaldo foi assassinado mediante tortura, o que torna o crime inafiançável. Recentemente, a PRF pediu a segunda prorrogação para concluir inquérito.
CASO ILZVER - Ilzver de Matos Oliveira, sergipano, 42 anos, Doutor em Direito, negro, candomblecista. Prestou concurso para professor do edital 11/2019, ofertado pelo Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe (UFS), na vaga de cotista. Ilzver, o único candidato negro aprovado no concurso, não foi empossado, conforme prevê a lei, mas a UFS empossou dez candidatos brancos da ampla concorrência, enquanto que a oitava vaga, segundo edital, deveria ser ocupada por um negro cotista. Desde então, entidades se mobilizam clamando por justiça e imediata recondução do candidato aprovado. Em inquérito do Ministério Público Federal, a UFS reconheceu em ata a ilegalidade do seu ato e o descumprimento da Lei de Cotas, mas não tomou nenhuma atitude de reparação. Juntos, Reitoria e Departamento de Direito, escancaram o racismo institucional e tripudiam da Lei 12.990/2014, que estabelece o percentual de 20% para negros nos concursos públicos, burlando a citada lei. Adendo: em reunião de 26 de julho, o Departamento de Direito, acolhendo sugestão do Magnífico reitor Valter Santana proferida no dia anterior, decidiu pela abertura de um novo concurso em prejuízo de Ilzver, o candidato negro aprovado.
Como professor de História e Sociologia ensino aos alunos que as instituições que não combatem o racismo, contribuem para perpetuá-lo na sociedade como preconceito estrutural. Sou Especialista em História Cultural pela UFS, consciente e grato pela equipe de excelentes mestres que partilharam saberes. Contudo, a universidade completou 50 anos e o fato de ter empossando o primeiro reitor negro em 2021 desvela racismo institucional inerente.
Recentemente, a UFS subiu duas posições no World University Ranking, passando a figurar entre as três melhores universidades do Brasil. Megalomania sergipana e bairrismo à parte, o caso Ilzver compromete a excelência e o orgulho que ostenta a referida instituição.
Diante dos crimes consumados por representantes do Estado, tanto da Polícia Rodoviária Federal, quanto da Universidade Federal de Sergipe, não há o que discutir, Sergipe é mesmo o Estado mais racista do Brasil. O desdobramento dos dois casos atestarão isso... ou a justiça chegará.
* Publicado no JORNAL DA CIDADE, Aracaju, 10 de agosto 2022, p. A-7.
**Thiago Fragata é professor, historiador, multiartista e ativista racial.
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