OS AZULEJOS DE VESTA VIANA


 Thiago Fragata*

Mudei de São Cristóvão para Lagarto em julho de 2019, encerrando 30 anos de atividades na cena cultural da “Cidade-Mãe de Sergipe”, na qual estive envolvido em 3 áreas, basicamente: Educação, Cultura e Turismo. Recentemente, na visita costumeira aos meus pais, fiz um tour nostálgico pelo centro histórico, visitando igrejas e museus, e encerrei a agenda adentrando o prédio do Conselho Municipal de Saúde, localizada numa extremidade da Praça da Matriz. Fui reconhecido pela funcionária que, gentilmente, atendeu meu pedido inusitado: apreciar os azulejos pintados no banheiro. Ao fotografar as 6 obras, verifiquei que em apenas uma delas consta o nome da artista, Vesta Viana. Aposto que os leitores que conheceram de perto a artista e a sua obra nunca ouviram falar daqueles maltratados azulejos.

Quem foi Maria Vesta Viana? No catálogo 2 séculos de Artes Visuais em Sergipe (2008), ela figura como “artista Naif que despertou com sua arte o interesse de personalidades como Jorge Amado e Zélia Gattai”. O ilustre casal de escritores incentivou a carreira da jovem menina sancristovense que conheceram pintando num quintal da casa onde sua mãe Noêmia vendia doces, localizada na rua Santa Cecília, do centro histórico.  Resumo, em dois fatos, o que potencializou o sucesso e o alcance da arte da “artista primitivista”, conforme Jorge Amado publicaria numa edição especial de 1970 da Revista Manchete: Primeiro, o rumoroso sumiço (roubo) do quadro da artista da sala do escritor baiano. Na verdade, uma brincadeira do compadre Dorival Cayme, conforme noticiado pelos jornais cariocas. Segundo, o Festival de Arte de São Cristóvão (FASC), que teve a primeira edição em 1972. Essa edição do FASC elevou aos píncaros a obra da artista Vesta Viana que, tendo o seu nome já firmado na cena cultural, montou um ateliê. E, assim, por duas décadas (1970/1980), seus quadros tematizando casarios e igrejas coloniais, e também paisagens, atraíram uma clientela seleta de famosos marchands  estrangeiros.

Conheci Vesta Viana, salvo engano, em 1988, trabalhando numa repartição instalada naquele prédio. Era a Exatoria. Meu impulso para conhecê-la partiu de uma questão familiar: ela era madrinha do meu pai, o popular Tiago do Gelo. Não me contive com a descoberta, subi a ladeira e fui ao seu encontro. Firmada nossa amizade, fiz cerca de 5 entrevistas, publiquei alguns artigos sobre a sua vida e obra, assessorei algumas matérias para televisão. Ela compartilhou sua coleção de correspondências trocadas com o casal Jorge Amado e Zélia Gattai, bem como seus cadernos de poesias e documentos históricos – a exemplo do “Livro de orações contra a peste (Cólera), de 1856” – e as histórias do seu falecido pai Zeca Viana com dotes de cronista.

É corrente entre nós a obsessão barroca da eternizar as obras de arte, isso para compensar a brevidade da vida.  Sobre os azulejos, tenho algumas sugestões para a sua preservação. Sim, eles perdem pigmento com o passar dos anos, mas é fato que a situação se agravou porque alguém tentou raspá-los com palha de aço na intenção de “limpar” a tinta dos azulejos muito desbotados! Que triste...

Se, porventura, a Prefeitura Municipal de São Cristóvão aceitar sugestões, considero viável a remoção de sujidades e um banho de verniz fixador visando a sobrevida das obras. Posteriormente, o conjunto de azulejos poderia ser removido do banheiro do Conselho Municipal de Saúde, fixado num quadro e doado para algum museu, a Galeria de Artes Vesta Viana, por exemplo. Ou, então, depois da primeira intervenção, o prédio poderia figurar como um “lugar de memória de Vesta Viana”, um espaço para lembrar, (re)memorar ou (co)memorar a presença da grande artista sancristovense.

Maria Vesta Viana, além de artista plástica, era poetisa e pesquisadora da experiência histórica de sua amada cidade. Uma das últimas ações em que esteve envolvida como agente cultural foi na campanha da Praça São Francisco – tantas vezes representada em suas telas! – para receber o selo UNESCO de Patrimônio Mundial em 2010. Por tudo o que fez, pela divulgação do patrimônio cultural de São Cristóvão, seus azulejos merecem um olhar consciencioso. Alguém concorda?

 

*Thiago Fragata é historiador, escritor e multiartista E-mail: thiagofragata@gmail.com 

Texto publicado no JORNAL DA CIDADE, ARACAJU, de 23 de julho de 2025, p. 2. 

 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

AMADO, Jorge. Salvador-Aracaju: roteiro saboroso para viajantes sem muita pressa. Revista Manchete (edição especial), São Paulo, outubro, 1970, p. 144.

CHOU, José Walter Teles et al. Dois Séculos de Artes Visuais em Sergipe. Aracaju: Sociedade Semear, 2008, p. 86.

 

 

VIOLÊNCIA DOS FOGOS DE RÉVEILLON CONTRA VULNERÁVEIS



 


Thiago Fragata*
 
Os chineses inventaram a pólvora e criaram espetáculos pirotécnicos, mas foram outros povos (mongóis, turcos, árabes, europeus) que usariam a pólvora como artigo bélico visando superar inimigos nas guerras. Assim, a guerra e a festa tiveram por séculos a pólvora como elemento indispensável. Em junho, na cidade de Shenzen, na China, imagens de um dragão colorido voando nos céus a executar perfeitas evoluções impressionaram o mundo, especialmente porque o seu corpo era formado por 1500 drones. A pirotecnia foi aperfeiçoada pela tecnologia digital. Apesar da repercussão midiática, o caso passou desapercebido em nossa sociedade pelo extrato governista que pudesse tirar alguma lição. A tal lição que refiro-me foi a de silenciar a pirotecnia, existe uma boa justificativa: esforço deve ser baseado no respeito aos vulneráveis (pessoa com deficiência, idosos, acamados, animais). Será possível?

A queima de fogos do Ano Novo aproxima-se. Prefeituras e Governo de Sergipe, com certeza, despenderam recursos públicos para garantir a beleza visual e o barulho (poluição sonora) em nome da tradição. A humanização avança nas ações do poder público em pautas de saúde pública e assistência social, prova disso é que ano passado, respaldado em legislação municipal, algumas capitais aderiram aos fogos silenciosos no show do réveillon. São elas: Macapá/AP, Campo Grande/MS, Goiânia/GO, Belo Horizonte/MG, Curitiba/PR, Porto Alegre/RS, Recife/PE, Fortaleza/CE, Palmas/TO, Florianópolis/SC e João Pessoa/PB. A pergunta é: quando Aracaju e Governo de Sergipe integrarão essa lista, respeitando autistas, hospitalizados, convalescentes e animais?

Sabemos que o espetáculo de réveillon faz parte de uma tradição. Como pai de criança autista com hipersensibilidade auditiva (Aurora, 7 anos - TEA) e cuidador de um cachorro sensível ao barulho dos fogos de artifício (Pingo, 9 anos), apelo aos direitos individuais e ao direito animal, invoco ainda minha especialização em História Cultural, pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), para afirmar: quando uma tradição da sociedade promove sofrimento, faça uma vítima apenas, deve passar por uma mudança em nome do bem estar da coletividade. Os direitos humanos estão acima da tradição no que tange a saúde e a proteção da vida.

Como não se discute direitos de minorias em regimes fascistas, creio que a pauta (substituir a queima de fogos barulhentos por fogos silenciosos) seja pertinente, haja vista vivermos numa sociedade democrática, ao menos no discurso. E, sobre gestão da coisa pública, os gastos com o espetáculo pirotécnico acontecem com dinheiro do contribuinte, não deveria acontecer para satisfazer apenas a uma parcela da população. Quanto a isso, gestão não pode ser confundida com eleição, ocasião que vence voto/vontade da maioria da população. Um governo que realiza um espetáculo de queima de fogos que diverte uns e promove sofrimento a outros é, no mínimo, irresponsável, sádico.

Por tudo o que foi aventado, a tradicional queima de fogos barulhentos do réveillon deve passar por mudanças. No dia 3 de outubro do corrente ano, a Comissão de Educação e Cultura do Senado aprovou o projeto de Lei (PL no 5/2022) que proíbe a fabricação, o armazenamento, a importação, a comercialização, a distribuição, o transporte e o uso de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam estampidos, famosos fogos barulhentos. A agenda é que o projeto seja encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça, próximo ano, visando cuidar das pessoas sensíveis ao ruído e proteger os animais. Um detalhe pertinente: o veto não se aplica a fogos sem ruído, que produzem apenas efeitos visuais, também conhecido como fogos silenciosos. 
 
 


*Historiador, multiartista, cidadão.E-mail: thiagofragata@gmail.com
Texto publicado no JORNAL DO DIA. Aracaju, Aracaju, ano XIX, n. 5941, 30/12/2023 a 2/1/2024, p. 2


ÍDOLOS DA JUVENTUDE


Thiago Fragata*

“Fã é abreviatura de fanático”. Não recordo onde li a sentença, texto apresentava o perfil dos participantes de um fã-clube. O primeiro deles, o fã modista, gostava do artista “do momento”, no o auge da carreira, acalentava um amor volúvel que sumia assim que o brilho da estrela esmaecia, deixava de aparecer na imprensa. O segundo, o fã travestido, fazia grande esforço para se assemelhar ao ídolo, às vezes somente ele enxerga isso, comportava-se como se astro/estrela fosse uma projeção narcísica, que preenchia sua falta de amor-próprio. Por último, o fã apaixonado, que não apenas vestia mas consumia tudo referente ao ídolo, sabia das intimidades, alimentando amor platônico e esquizofrênico por toda a vida, com um detalhe, pouco se importava com o fato de ser desconhecido(a) para quem dedicava sua existência. 

Fui um fã modista, confesso. Não tenho medo de falar dos meus ídolos da juventude. Resumidamente, tive 3 ídolos na juventude: o cantor Elvis Presley (1935/1977), o jogador de basquete Michael Jordan (1963/-), o dançarino e cantor Michael Jackson (1958/2009). Adolescente me apaixonei por Elvis Presley. Aquele riso, aquelas roupas, aquele jeito de dançar, ahhh! e nos seus filmes as meninas o adoravam. Não desejava ser uma das meninas, desejava no filme e na vida real ser ele, The Pelvis. Costelas quadradas no maxilar e cabelos com gel, gola pra cima. Tive a coleção completa de LP, box vermelho, a cor da paixão! 

Outro dia achei uma foto desbotada dessa fase... um Elvis Presley negro, pensei. Talvez o assunto gere desconforto aos amigos(as), lembrar os ídolos que eles tentaram se parecer, se vestir...há quem afirme nunca ter sido influenciado(a) pelo universo midiático, qual jovem conseguiria? Hoje é fácil mentir, negar, rasgar fotos. Tentei me parecer com Elvis...fui um fiasco em tudo, não consegui aprender inglês até hoje, quando minha única intenção, no colégio, era aprender a língua universal para cantar daquele jeito! Até hoje eu amo Elvis Presley, suspiro quando assisto suas performances... (Se você nunca amou um ídolo, fica na sua tá!) 

Cursava 2º. ano do Colégio Agrícola - atual IFES São Cristóvão - em 1992, quando fui convencido que podia ser um jogador de basquete. Não foi difícil raspar cabeça, comprar camisa 23 e se parecer com Michael Jordan, estrela do Chicago Bulls, por exemplo. Minhas ambições eram mesmo estratosféricas, não acham? Fui um desastre na quadra em todas as partidas, foram muitas. Não recordo uma cesta de 3 pontos! Eu era bom em “se parecer e me aparecer” um jogador de basquete (risos); camisa numerada, short alongado, cabelo na 1, sem o bigodinho. Se alguém falava “Jordan” perto de mim, deixava a coluna ereta e olhava de lado envaidecido (mais risos) Naquele tempo o espelho mentia pra mim, alguns amigos também...

Abandonei o futebol aos 12 anos porque xingaram mamãe, alguém insatisfeito com meu desempenho. Xingar a mãe sempre foi meu calcanhar de Aquiles. A tragédia repetiu-se, perturbava-me pensar na sagrada mãe sendo ofendida por conta dos “pecados” do filho que deveria lhe render orgulho. Não identifiquei sujeito na torcida, mas aquilo doía, então parei, desistir da bola laranja. Na juventude, participei de um grupo de dança de rua com estilo variando entre o break e o merengue baiano; o coletivo era liderado pelo jovem Ezequiel da Capoeira, futuro Mestre Pássaro Negro. Até hoje, ele é uma referência cultural em São Cristóvão/SE. 

Fui um dançarino mediano, tinha uma boa flexibilidade, pernas e braços longos. Nessa época escanteei Elvis Presley como ídolo, tudo porque um novo astro entrou em nossas vidas de forma avassaladora, seu nome, Michael Jackson. Ah! Todos ali queriam dançar como ele, deslizar pelos calcanhares. Vislumbrei vantagem, afinal tinha chances de ser confundido com Jackson, ele era um homem negro, até sua despigmentação. O grupo de Ezequiel reunia cerca de 18 garotos, oriundo dos bairros Avenida Otoniel Amado, Jardim, Pintos, Divinéia, Alto Santo Antônio, Beira-Mar, Apicum, Baixada e Campo da fábrica velha. Ezequiel e Vadinho, popular Neguinho da Fonte dos Padres, formavam uma dupla sensacional, fosse lutando capoeira ou dançando discoteca na casa de show de Nilson, no bairro Pintos. 

Maninho, apelido do meu irmão Emmanoel Políbio, superava-me nas danças, minha vantagem era que eu sabia tocar os instrumentos musicais, da capoeira. Insistir por um tempo em dançar como Michael; botei roupas pretas, gel no cabelo, fiz ensaios na frente do espelho, botando sabão-pó no chão pra ajudar no passinho pra trás, o tal moonwalk. Fiz de tudo mas não deu...Raiva! Agora lembrei, foi assim que fraturei uma perna... Ainda bem que nas esquinas na maturidade encontrei o amor-próprio. 

Então percebi que as loucuras de fã, como toda carta de amor, são ridículas. Não seriam ridículas se não fossem loucuras de fã. 


*Escritor, historiador e multiartista. Texto do livro inédito CRONICÁRIO DAS MEMÓRIAS - SÃO CRISTÓVÃO/SE. Publicado no JORNAL DA CIDADE, Aracaju, 8-9/7/2025.

UM JARDIM BOTÂNICO EM SÃO CRISTÓVÃO

No detalhe do mapa, centro, lemos JARDIM BOTTÂNICO e PRATA     Thiago Fragata* Qual o lugar exato onde funcionou o antigo Jardim Botânic...