IX RODA DE LEITURA DE SÃO CRISTÓVÃO: JENNER AUGUSTO

Maria Rita apresenta poesia que Carlos Drummond de Andrade dedicou a Jenner Augusto



Na última sexta, 9/3, aconteceu no Museu Histórico de Sergipe a IX Roda de Leitura de São Cristóvão, com o tema: Jenner Augusto. Os contadores Maria Rita, Thiago Fragata, Denise Santiago, Rose Mary Barbosa e Maria Gloria revezaram-se na leitura de textos e poesias que autores consagrados como Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Morais, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Stella Leonardos e Di Cavalcanti dedicaram a Jenner Augusto e sua obra. Alunos da Escola Municipal Gina Franco fizeram parte do público que presenciou também o lançamento da mostra audiovisual “Imagens de Jenner Augusto na poesia de Jorge Amado”, dirigida por Carlos Augusto Brás, com perfomance da poetisa Maria Gloria. O evento coroou a semana natalícia do Museu Histórico de Sergipe que completou 52 anos no dia 5 do corrente mês.

No salão do evento uma pequena mostra destacava o acervo especializado na obra de Jenner Augusto. A Roda de Leitura de São Cristóvão é um projeto da Secretaria Municipal de Cultura e tem o apoio da Casa do Folclore Zeca de Noberto, Ponto de Informação ao Turista, Colégio Estadual Deputado Elísio Carmelo e Museu Histórico de Sergipe.  

Segue abaixo seleção de textos, capas do acervo institucional sobre Jenner Augusto e imagens do evento.


 TEXTOS SELECIONADOS




POESIA DE JORGE AMADO DIANTE DOS QUADROS DE JENNER AUGUSTO

Para fazer um quadro assim tão belo
A receita, senhoras e senhores, vos ensino:

Alvas areias altas dunas casario antigo
O pássaro sofrê os retorcidos santos
A humildade, o orgulho, a dura consciência
O mistério das flores, do caule, da corola
O boi, o porco, a cabra, o vira-lata, o galo, a madrugada
O mar dos alagados, a fome milenar
Nordestina universal, a rútila esperança
A meninice, a tia, a noite sergipana
A brisa da Bahia, o patriarca, a puta
Fraternal, suave, doce, triste, alegre, maternal
A música do cego, o violão as cores desse céu
Dessa montanha, dessa pedra, desse chão
Desse mundo e dos olhos de Luíza
O riso dos meninos
A ausência dos meninos
O órfão indispensável, recolhido sofrimento
Em riso rebentado da infância oferecida.

Também é necessário, senhoras e senhores, ter talento
Coração sangrando, ser solidário, poço de bondade
Uns olhos fundos apertados, um choro não chorado
Ser cangaceiro e santo, ter sofrido e amado.
Como vêdes, senhoras e senhores, é muito simples
Pintar um quadro tão belo. Só é preciso
Ter vivido.

Poesia lida por MARIA GLORIA SANTOS.






JENNER AUGUSTO, ARTISTA PINTOR

Trouxeste de Sergipe
A contida paixão, a ascese, a fome, o fulcro
Da alma nativa, a agreste crispação
Da mata branca da caatinga, a alta tensão
Da palha onde os pássaros
Se picam ao latir dos estampidos
De uma nova vingança, os descaminhos
Da vingança, os paroxismos

Da herança, as consoantes da palavra honra
A fulgor azul das lâminas o grito
Vermelho dos estupros, o olho injetado e morto dos coágulos.
Reassumiste Cézanne com o pincel molhado
Na polpa dourada das mangas
E com o amarelo adstringente dos cajus
Resumiste o cubismo de taipa
Do casario a duas-águas dos velhos povoados
Do teu nordeste e da tua infância, em piedosas cores frias
Com que amenizá-los da canícula.
Súbito vomitaste Azul nos pântanos podres
Dos alagados, recriando singapuras
De lixo, erguendo hong-kongs de palafitas
Por entre os mastros dos saveiros, fazendo longes...
Nos amplos espaços do Recôncavo
Reafirmaste a luz e a cor em abstrações
Precisas, perdido de violeta paixão por crepúsculos
E auroras, dando vez ao jaguar que mora em ti
E a tudo espreita através do oco das órbitas
De caminhar entre nuvens, fulvo e elétrico
Transformando sons em cores
Na rigorosa pauta do infinito.

Para mim, quando o vi (quadro soberbo!)
Pintaste peteleca (sem sabê-lo...)
A jovem e pequenina puta negra
Que aos estudantes sempre dá primeiro
Não só porque é por eles adorada
Como porque em geral não tem dinheiro
E que nas noites de Salvador
Vive alegre, volátil e sem medo
E que, se bem notardes, quando passa
Tem um aro de luz sobre os cabelos

Meu irmão Jenner Augusto
Pintor do que mais sabem e mais aprendem
Cheio de inexprimível piedade
Pelo homem, esse bicho tão pequeno,
Pinta-me uma cidade
Onde se viva em paz, se sofra menos
Uma branca cidade
Sempre crepuscular e em tons serenos
Onde eu possa iludir-me
Sobre o amor, sobre a dor e sobre o tempo
E morrer e me esvaindo
No doce balbucio das estrelas.


Poesia lida por THIAGO FRAGATA.







LOUVAÇÃO A JENNER AUGUSTO

Jenner, do gênio da cor,
Coração pintor de gentes
E paisagens, face ingente
Com que sóbrio desassombro
Ergues das luzes e sombras
Faceis de altiva vivência!
Teu cavalo pasta
Sonho.
Teu casario transcende.
Teus coroinhas processionam
Num coro de almas ingênuas
E tua Kátia impressiona
Na meninice serena.
Teus alagados se alargam
Por sobre um lago de lágrimas.
Uns de azuis - claros noturnos
Alegros, outros - vermelhos
E explodem céus - que avermelham
E negrejam - no ar incêndio
Doido e doído.

E soltas nuvens
Branquibrancas, de ouro, fumo,
E se espraiam, sem alarde.
E das violetas à tarde.
E cada quadro amanheces
Dessa visão inviolada
Que há nos ínvios teus
Tão de alma.
E nos alumbras - que cresces.

Poesia lida por DENIZE SANTIAGO. 





 


ALAGADOS

Casebres à flor d´água
Balançam
No silêncio
O sonho de viver
O sonho de morrer.

Jenner Augusto sob o céu de chumbo
Sob o céu violeta
Lê o horóscopo das criaturas
Que nos alagados
Morrem sem viver.

Poesia lida por MARIA RITA SANTOS.



Di Cavalcanti escreveu:

“Vejo em Jenner Augusto a permanência de um lirismo brasileiro que faz bem à gente. É um pintor de originalidade técnica sem se separar da natureza, que nele guarda toda a poesia”.



“Vi tuas pinturas. Tuas casas e ruas possuem expressão quase humana e parecem contar histórias. Na minha opinião, hoje, no Brasil, ninguém pinta marinhas e céus mais belos que os teus. Vivo repetindo que sou pintor frustrado. Se me perguntassem com quem eu gostaria de pintar, responderia sem hesitação: como Jenner Augusto”.

Leitura realizada por ROSE MARY BARBOSA.


IMAGENS DO EVENTO:
 








Maria Gloria na mostra audiovisual "Imagens de Jenner Augusto na poesia de Jorge Amado"
 Rose Barbosa eclipsada nas leituras de Érico Veríssimo e Di Cavalcanti
 Maria Rita fez leitura de Drummond
 Maria Gloria apresenta telas famosas de Jenner Augusto

 Thiago Fragata na leitura de Vinicius de Morais
 Denize Santiago apresenta "Louvação a Jenner Augusto", de Stella Leonardos
 Maria Glória repete sua intervenção a pedidos da platéia
 Denize Santiago apresenta texto de Stella Leonardos
 Rose Barbosa faz leitura de Di CAvalcanti
 Platéia atenta a leitura dos textos selecionados 

 
 Alunos da Escola Municipal Gina Franco, acompanhados da Prof. Deise Barroso, participaram do evento

  
ACERVO MHS - MOSTRA JENNER












REFERÊNCIAS DA PESQUISA

FERNANDES, Zeca; BRITTO, Mário. Jenner Augusto: vida e obra. Aracaju: Gráfica Santa Marta, 2012, p. 62 e 94.
FONTE: FURRER, Bruno. Jenner. São Paulo: Gráfica Brunner Ltda, 1980, p. 12 e 13.


VIII RODA DE LEITURA DE SÃO CRISTÓVÃO: SENHOR DOS PASSOS





Aconteceu na manhã da última terça, 28/2, diante do altar do milagreiro Senhor dos Passos a VIII Roda de Leitura de São Cristóvão que fez uma homenagem ao santo através dos textos selecionados. A programação efetivada contou com exibição de entrevista de Dona Marinete Paiva, in memoriam, prestando depoimento sobre a procissão secular. Num segundo momento, contadores revezaram-se na leitura de textos e poesias. Respectivamente, Thiago Marcelo cantou versos do cordelista Luiz Melo, Maria Rita recitou poesia de Elyseu Carmelo; Eliene Marcelo fez leitura dramática de texto de Verônica Nunes sobre ex-voto, Rose Barbosa leu trecho das memórias de Serafim Santiago a respeito do achado da imagem de Senhor dos Passos, Maria Gloria fez leitura de artigo de Thiago Fragata e este divulgou poesia de Alberto de Carvalho e texto memorável de Gumercindo Bessa de 1911. Manoel Ferreira, convidado especial, encerrou o evento diante do público atento declamando poesias. 

Segue textos e imagens:




O MILAGROSO SENHOR DOS PASSOS DE SÃO CRISTÓVÃO [1]

Thiago Marcelo cantou versos do cordel que LUIZ MELO escreveu em 2009:

Quem visita São Cristóvão
Bela e antiga cidade
Se encanta pelo passeio
Onde se anda à vontade
Com jeito de encontrar nela
A própria felicidade.

O clima é sempre gostoso
E faz bem ao visitante
Que se chegar com calor
Sente conforto num instante
Pela brisa que circula
De forma quase incessante.

Tem ruas que começam
Nas estradas principais
e atravessam a cidade
como veias naturais
onde andam os visitantes
que chegam cada vez mais.

Vão chegando em multidões
Em transportes diferentes
Em ônibus tão luxuosos
Que espantam muita gente
Ou dividindo carona
Com companheiros contentes.

São Cristóvão permanece
Igualzinho ao que ela é
Uma cidade tranqüila
Sem um abalo sequer
Que se transforma somente
por causa da sua fé.
 

 Thiago Marcelo fez leitura do cordel







ORIGEM DA IMAGEM [2]

Rose Mary Barbosa leu um trecho das memórias que SERAFIM SANTIAGO escreveu entre os anos de 1890 e 1915:

“Um homem praiano (diziam eles) cujo nome não me lembro encontrou certo dia, rolando pela costa que fica ao sul da cidade, um grande caixão resultado talvez de um naufrágio de alguma sumaca; ele cuidadosamente rolou-o para a terra, abrio-o e surpreendido ficou verificando a existência de uma perfeitíssima imagem de roca em tamanho natural. O homem de educação religiosa muito honesto, tomou uma canoa e nela acomodou o referido caixão, e com outros companheiros transportou para a velha cidade o feliz e milagroso achado. Foi esta sagrada imagem ali entregue aos frades jesuítas carmelitas que colocou em uma capelinha da Igreja - Ordem 3ª. do Carmo, e depois de longos anos, mudada pra o trono do Altar-mor da mesma igreja. Como sabem, sempre foi no segundo domingo da quaresma, o dia aprazado para efetuar a tradicional Procissão dos Passos na antiga cidade”.






 Thiago Fragata


PROCISSÃO DE SENHOR DOS PASSOS DE SÃO CRISTÓVÃO/SE [3]

Maria Gloria, diretora da Casa do Folclore fez leitura do texto que THIAGO FRAGATA escreveu em 2006:

“A Procissão do Senhor dos Passos, que acontece na quarta cidade mais antiga do Brasil, sai do Convento de Nossa Senhora do Carmo, no sábado à noite. Depois dos ofícios, o préstito acompanha a imagem até a Igreja de Nossa Senhora da Vitória. O que os romeiros assistem a cada ano é uma espécie de auto dramático, ambulante, barroco, com paradas denominadas “Passos” ou estações da Via Crucis. Entre a massa de fiéis predomina a túnica roxa atada com cordão, à semelhança da imagem, numa forma de compartilhar o sofrimento do nazareno como um cirineu.

As mais variadas promessas já foram cumpridas: um certo Chico Alves, arrastou pesada cruz de Aracaju a São Cristóvão; outro “pagador de promessa” esculpiu livro de madeira, como ex-voto, porque aprendeu a ler e escrever depois de adulto.

No domingo, acontece a Procissão do Encontro. O ápice desse ato é o encontro das imagens do Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores, invocação mariana. Seguindo percurso distinto, a primeira sai da Igreja Matriz ao tempo em que a segunda sai do Convento do Carmo. Milhares de fiéis ganham as ruas e a Praça São Francisco para escutar o sermão e o canto da Verônica que enredam a comovente liturgia do catolicismo colonial.

Os milagres atribuídos ao Senhor dos Passos geraram os ex-votos e resultaram no Museu que hoje ocupa o claustro da Ordem Terceira do Carmo. Ex-voto é abreviatura de “ex-voto suscepto”, frase latina que significa “promessa feita”. Como obras de arte ou prova da graça alcançada, tais objetos elaborados em madeira, parafina, gesso ou barro representam a parte do corpo sobre a qual o promesseiro rogou a intercessão do taumaturgo. No acervo do Museu dos Ex-votos, aberto a visitação pública de domingo a domingo, podemos encontrar os mais enigmáticos símbolos da fé cristã

No passado, São Cristóvão foi centro político e religioso da Capitania de Sergipe Del Rey. Esse antigo centro de convergência religiosa preserva manifestações culturais do período colonial, como a Procissão de Senhor dos Passos”.




SABADO DE PASSOS [4]

Maria Rita, diretora do Colégio Estadual Elísio Carmelo, fez leitura da poesia que jornalista ELYSEU CARMELO escreveu em 1940:

Não há brutalidade, ó criatura louca
Nessa prece de dor que alguém vedes fazer
Quão bela e majestosa é! Silêncio! Vossa boca
Fecha-se para sempre – e dar-vos-hei a crer.

Nessa efusão sublime de pertinaz querer
Que Deus inflama às almas... à alma frágil, louca!
Tendes à via Sacra, de rastro, um magro ser
Ao céu salmos cantando, em voz tremente, rouca.

Um êxtase supremo! Pensando em tal martírio
Magna, sentires vãs, do coração a dor
Refletindo-se à vossa alma, em transes de agonia.

Quem de joelhos passa lembrando seu martírio
Fá-lo sinceramente seguindo o Redentor,
Ferido e torturado, do seu calvário à via.





Verônica Nunes


A PROCISSÃO DO SENHOR DOS PASSOS E O DEPÓSITO DO  EX-VOTOS [5]


Eliene Marcelo leu trecho de um artigo que VERÔNICA NUNES escreveu em 2006:

“A procissão do Senhor dos Passos, realizada desde o século XlX no segundo sábado da quaresma na cidade de São Cristóvão em Sergipe, é, provavelmente, a primeira referência à prática votiva que registra o depósito da imagem simbólica da ação milagrosa, isto é, a materialização do agradecimento do penitente promesseiro ao Senhor dos Passos.

O memorialista Serafim Sant’ lago narrando a festa dos Passos, afirma que no segundo sábado da quaresma dobravam os sinos da igreja da Ordem Terceira do Carmo, anunciando a procissão da noite, denominada de “depósito”.

É nessa procissão que os devotos pagadores de promessa trajando, ou não, túnica roxa, pés descalços e portando seu ex-voto na mão, acompanham de joelhos, ou caminhando, o itinerário dos sete passos da paixão. O percurso é compreendido entre as igrejas do Carmo Pequeno e de Nossa Senhora da Vitória – locais da saída e do recolhimento da procissão noturna.

A contextualização desse ritual de desobriga votiva completa um ciclo, isto é, uma situação aflitiva estabelece o pedido de socorro ao Senhor dos Passos – voto e o  milagre – e o ex-voto  dá início ao cumprimento da promessa, que pode ser pessoal ou a oferta de um objeto que represente o pedido solicitado. A segunda forma permite que o promesseiro procure um artista para executar o ex-voto que configure o pedido. Percebe-se assim o caráter testemunhal do ex-voto enquanto expressão da gratidão à divindade pela necessidade atendida.
No claustro da igreja do Carmo, onde está instalado o Museu do Ex-voto, conservam-se os sinais da expressão votiva popular; ex-voto antropomórficos, fitas, casas, cartas, fotografias, em suportes tradicionais e atuais que evidenciam o agradecimento pelos milagres obtidos.

(...)

Os ex-votos antropomórficos são entendidos como milagres médicos. Na maior parte das vezes, os objetos depositados reproduzem pés, pernas, abdômen, mamas, mãos, cabeças, corpo inteiro, muitas vezes com inchaços, ferimentos e saliências, sinais indicativos da área lesionada. Alguns possuem as áreas afetadas com coloração vermelha ou violeta para ilustrar o motivo do pedido. Esse tipo de ex-voto pode ser considerado como o testemunho de que, muitas vezes, só resta a esperança de recorrer ao Senhor dos Passos porque, para muitos promesseiros, os recursos da medicina escapam de seus bolsos vazios ou principalmente, motivos pelo sentimento da esperança da cura através da fé no Senhor dos Passos, demonstrando o poder da força divina”.
   
SÃO CRISTÓVÃO, PASSOS [6]

Thiago Fragata, diretor do Museu Histórico de Sergipe, fez leitura da poesia que ALBERTO CARVALHO escreveu em 1972:

A fina malha do tempo
Acoberta os passos do espaço
Da antiga Capital.
Do espaço chantado pela marca portuguesa
De Cristóvão de Barros
Aos passos nas pedras redondas
De Bagnuolo, Labatut, João Bebe-Água
Nas mesmas ruas hoje sob os olhos fixos e tristes
Do Senhor dos Passos.

Foram passos perdidos nas ladeiras íngremes
Por onde escorreu a História
E hoje escorreu águas e homens
Em direção ao rio poluído.

Há outros passos,
Prestos préstito das procissões
Plenas de políticos
Pagadores de promessas
Jamais cobradas pelo Senhor.

O tempo hoje, São Cristóvão,
É um espetáculo de som e luz
Por sobre os hieráticos, brancos muros
Eretos nos teus séculos transatos.





SOBRE FESTA DE SENHOR DOS PASSOS [7]

Thiago Fragata leu também texto que MARFÓRIO (pseudônimo de Gumercindo Bessa) escreveu em 1911:

“Hoje na velha cidade de São Cristovão, há de percorrer a sua estrada dolorosa esse merencório e ensangüentado Senhor dos Passos, baloiçando-se na sua charola de prata e veludo; majestoso mesmo na atitude de esmagado sob o peso da cruz; envolvido em espirais de incenso e mirra; segurando na mão direita, roxa de echymoses, o seu bouquet de cravos brancos de noivo da morte; sereno no seu sorriso de mártir resignado e no seu olhar agasalhador, de transparência cristalina, que parece pedir que mil vezes ele possa ter o gozo divino de perdoar.

Ele passará por entre a turbamulta dos que adoram, nessa hora em que o sol, quase a sumir-se nas bandas do oeste, vai enchendo de sombras o vale do Paramopama, e em que o ambiente começa a encher-se da melancolia do crepúsculo, que é quebranto da natureza.
Ele passará, nesse momento indefinível que o luto que desce dos céus vem encontrar-se na terra com os soluços do bronze, que baixam de todas as torres e casar-se com os trechos da musica sacra que sobem da nave do templo.
Ele passará hoje, como passou há duzentos anos, como há de passar duzentos anos depois de nós.

Foi no segundo domingo da quaresma do ano da graça de 1886, que Marfório o viu pela primeira e única vez. Será a ultima?

Marfório tinha então sangue na guelra, era rapaz alimentava esperanças, ilusões, sonho de ouro pensava que tinha talento. Na véspera da festa foi a ordem 3ª do Carmo para ver de perto demoradamente e só, a bela escultura do Cristo.
Não teve o prazer de fazer sozinho o seu estudo. Lá estava o armador Luiz Pitanga enfeitando a charola, pregando e colando.E, segundos depois, chegava assobiando, o José Pedro, que se dirigindo para o lado do andor dizia familiarmente:
- Bom dia; Senhor
- Bom dia, seu capitão; respondia o Pitanga.
- Não é com o senhor que eu falo, é com o Senhor dos Passos; retrucou o velho dos assobios.

Marfório não pôde conter-se desabalou-se numa gargalhada das de Arthur Fortes e retirou-se.

Noite cerrada, Marfório voltou ao Carmo para ver a procissão da trasladação.
Viu ao pé da charola, numa posição indescritível de fidalgo e penitente, um velho esguio, alto, aprumado, moreno, barba branca, cerrada e curta, cabeleira rebelde, trajado com elegância e modéstia, silencioso, imóvel, aguardando a saída da procissão naquele posto, para que ninguém lhe roubasse o gozo de pôr aos ombros um dos varais do andor.

Marfório perguntou ao Antonio Barroso, então rapaz e esperto:
- Quem é esse figurão?
- É o nosso grande Antonio Dias.
- Quem é o grande Antonio Dias de vocês?
- Oh! Doutor! Não conhece o Antonio Dias dos Curiais!
- bradou uma voz atrás de Marfório.

Voz que saia da boca do Antonio de Jesus Cezar, o mais trefego, o mais revolucionário, o mais valente dos filhos de São Cristovam, leão que diante de Marfório, por um fenômeno inexplicável, se convertia no mais submisso dos amigos.
Mas, no mesmo instante, entram na igreja o Manuel Góes, presidente da província, o Rastelli, juiz de direito da comarca, e o Oséas, secretario do governo.

E, vão entrando e vão dizendo:
- Sr. Senador, - diz o Góes.
- Sr. Barão, diz o Rastelli.
- Meu chefe, diz o Oséas.

Então o vulto imóvel falou. Palavra imprecisa, hesitante, acanhada; mas com o tal timbre de dignidade e afirmação de si, que se sentia uma alma nobre ali dentro e um homem incapaz de uma falsidade. Isto passou.

O velho Barão da Estância descansa em Deus, abençoado pelo prazer dos que tiveram o prazer de ser seus amigos.

O Antônio Barroso engordou e vende sal.
O Góes e hoje um senador apagado por Alagoas; o Restelli morreu; e morreu o Óseas.
E o Senhor dos Passos aí se exibirá hoje, o mesmo moço de cabeleira negra anelada, de barba preta pírfida, de supercílios longos e sedosos, fazendo sombra ao olhar meigo e acariciador; sempre sob o peso da sua cruz; sempre com o seu ramo de cravos; sempre envolvidos nos espirais do incenso e mirra; sempre baloiçando-se na charola de prata e veludo, na hora em que o sol transmonta e em que os soluços do bronze impregnam as almas da nostalgia do céu.

Abençoado seja ele”.



SOLENIDADE DE PASSOS [inédita]

MANOEL FERREIRA escreveu em 20 de março de 2011:

Ato comovente, expressando fé, gratidão e humildade
Penitência de fiéis participando de Procissão de Senhor dos Passos

Uns acompanhando a procissão de velas acesas
Outros usando indumentária cor das vestes das imagens
Alguns seguindo a trajetória de joelhos
E outros ainda conduzindo feixe de lenha na cabeça.

Põe-se em evidência o sofrimento
Expressando gratidão de criaturas reconhecidas
Extravasando o coração.

São Cristóvão agradece e aplaude,
Presença do nosso querido venerável Arcebispo
Dom José Palmeira Lessa, abrilhantando solenidade
E nos enriquecendo com subsídios do Sermão do Encontro

Deus seja louvado,
Pai de bondade e misericórdia,
Derramando suas bênçãos e graças
Sobre esta nossa sofrida e querida São Cristóvão.



GALERIA DE IMAGENS



Manoel Ferreira encanta o público com o veludo de sua voz
 Público atento aos versos de Alberto Carvalho
 Público do ELIC participou atentamente do evento

 
 Maria Gloria partilha texto com a platéia

[NOTAS DA PESQUISA]
1 - MELO, Luiz. O milagroso Senhor dos Passos de São Cristóvão/SE. Londrina, 2009. (Literatura de cordel)
2 - SANTIAGO, Sant’Iago. Annuario Christovense ou Cidade de São Christovão. São Cristóvão: Editora da UFS, 2009, p. 180.
3 - FRAGATA, Thiago. Procissão dos Passos em São Cristóvão/SE. In: VIEIRA, Márcio José Garcez. Senhor dos Passos em todos os passos. Aracaju: Gráfica J. Andrade/Banco do Nordeste, 2006, p. 21-25.
4 - Arquivo Geral do Judiciário de Sergipe. Aracaju. Sabbado de Passos, de Elyseu Carmelo, de 19/2/1940. Livros manuscritos de Elyseu Carmelo.
5 - NUNES, Verônica. A procissão do Senhor dos Passos e o depósito de ex-votos. In: VIEIRA, Márcio José Garcez. Senhor dos Passos em todos os passos. Aracaju: Gráfica J. Andrade/Banco do Nordeste, 2006, p. 5-6.
6 - CARVALHO, Vladimir Souza (Org.) Alberto Carvalho: toda poesia. Aracaju: Sec. De Estado da Cultura, 2005, p. 138. 
7 - MARFORIO (Gumercindo Bessa). Ortigas XI. Diário da Manhã. Aracaju, Ano I, N. 32, 12/03/1911, p. 1.
CRÉDITOS DAS IMAGENS: Grazziele Santos (ASCOM/PMSC)



ARMINDO PEREIRA: CONTISTA E ROMANCISTA INÉDITO EM SERGIPE

POR GILFRANCISCO* - gilfrancisco.santos@gmail.com Ficcionista sergipano, Armindo Pereira (1922-2001) nasceu com a literatura nas veias, vá...