UM EXTINTO QUARTEL MILITAR EM SÃO CRISTÓVÃO

 

Antigo Palácio Provincial servindo de quartel, 1930?

 Thiago Fragata*

 Clodomir Silva (1892 - 1932) publicou o incontorável Álbum de Sergipe (1920) num momento festivo do centenário da emancipação política de Sergipe da Bahia; também, Minha gente: costumes de Sergipe” (1926) focado no povo, nos costumes e marcas da sergipanidade. Nesse último, coletei a primeira pista de um quartel militar de São Cristóvão, extinto em fins do século XIX. Retirar do limbo o prédio é o esforço deste escriba. No texto “Por amor de Dona Úrsula”, Clodomir Silva destaca os rigores dos castigos implementados por um certo coronel contra seus subordinados, então refere-se à “rua do quartel”. (1) A toponímia tem dado um contributo importante aos pesquisadores diante da ruína de prédios (arquitetura) que cederam ao tempo e descuido dos seus proprietários. A mudança de nome de ruas, bairros e até cidades já ocorria no tempo do Brasil Imperial, na era republicana tornou-se recorrente. A tônica era batizar ruas com nome de pessoas, lideranças políticas, mesmo vivas. Em 1914, os vereadores de São Cristóvão cogitaram mudar nome das 3 praças principais (Carmo, Matriz e São Francisco) para Apulcro Mota, Pereira Lobo e Siqueira de Menezes! Consultei o absurdo no Arquivo da Prefeitura da cidade, isso nos idos de 2006. Foi nessa ocasião que recolhi outra valiosa informação: “A antiga rua do quartel, hoje faz parte da rua Coronel Erondino Prado”

Não tenho a data exata da fundação do referido quartel militar de São Cristóvão. Serafim Santiago aponta 1816. Expõe que neste ano foi construída “uma caza de pedra e cal, térrea com 10 braças de frente e outras tantas de fundo sitia no luar da Egreja do Senhor das Misericórdias (...) que serve de quartel”. (3) Sebrão Sobrinho informa que foi em 1818 que Antônio da Costa Mendes doou casa para instalação do quartel. (4)

A respeito da localização do prédio, avalizamos que tanto a capela do Senhor das Misericórdias como o Teatro,  igualmente extintos, eram vizinhos do quartel. Como endosso, vejamos o que diz Serafim sobre um passeio melancólico no centro da ex-capital em fins do século XIX, acompanhado por um velho amigo: na extinta rua das Candeias “pararam onde houve no tempo da Capital o começo do Theatro pertencente a Sociedade Philodramatica; alguns passos adiante pararam no local onde tinha sido o quartel militar (5) Ainda sobre a localização do quartel: Divide ao norte com terras  de São Francisco; ao Sul com terras do Senhor das Misericórdias; á Leste com terras do finado Manoel dos Santos Ritta e ao Oeste com a caza do finado Antônio Costa Ferreira (6) Em 1834 tomou posse Dr. Jose Joaquim Geminiano de Moraes Navarro, como Presidente da Provincia de Sergipe, o qual tratou de retificar o sobredito quartel militar dando-lhe melhor forma, commodidade e formoseamento”. (7)

O abandono a que foram relegados alguns prédios públicos após o advento da Mudança da Capital, em 17 de março de 1855, foi anotado por Serafim Santiago e Manoel dos Passos de Oliveira Teles. Foi o caso do citado quartel. Para Serafim Santiago muito se deu pelo “desleixo da Camara Municipal de São Christovão e negligencia de muitos dos meus patrícios (...) Os governos, daquela data em diante, não ligarão mais importância aos prédios ali existentes e pertencentes a Nação (...) os governos consentiram arruinar-se o Palácio [atual Museu Histórico de Sergipe] que outrora servia para residência dos Presidentes da Província (...) Este Palacio que serviu de aposento a S.M. o Imperador [D. Pedro II] (...) Eles consentiram arruinar-se o  Quartel Militar e finalmente, sem embargos de autoridade alguma, foi este edifício aos poucos demolido ainda em estado de conservação, em vez de um pequeno reparo”. (8) Sua demolição deu-se no início da década de 1890, aproximadamente.

Desprovida de Força Policial por conta do seu deslocamento para nova capital Aracaju, em 1855, a cidade sediou um Corpo de Linha em lugares diversos, sendo que em alguns anos o regimento foi destituído por decisão do Presidente, alegando contingenciamento e falta de efetivo. Alguns prédios do centro histórico que cumpriu o papel de sede militar por conta da presença de uma Força Militar, ainda que por pouco tempo, foram: o Sobrado da Câmara e Cadeia, localizado na Praça da Matriz; Antigo Palácio Provincial, atual Museu Histórico de Sergipe, localizado na Praça São Francisco. Manoel dos Passos de Oliveira Teles conta que a “maior adversidade foi o aquartelamento do segundo corpo policial de segurança no convento da Misericórdia” (9), em 1895, por imposição desmandos de coronel Manuel Prisciliano de Oliveira. A Misericórdia que ele fala é a Santa Casa de Misericórdia que também fica na Praça São Francisco e, atualmente, abriga a Prefeitura Municipal.

O tempo e o descaso do poder púbico figuram como vilões da salvaguarda dos monumentos. Uma política nacional de preservação do patrimônio cultural surgiria com a Superintendência do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, depois IPHAN), autarquia federal, em 1937, e ainda assim, o diverso patrimônio cultural esboroa como o velho quartel de São Cristóvão. 

 

*Thiago Fragata é historiador, escritor e multiartista E-mail: thiagofragata@gmail.com

Texto publicado no JORNAL DA CIDADE. Aracaju, 9 a 11/8/2025, ano LV, n. 15399, p. 5.

 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 1 - SILVA, Clodomir. Minha Gente: costumes de Sergipe. 3ª Ed. Aracaju: J. Andrade, 2003, p. 51; 2 - SOBRINHO, Sebrão. Laudas para História de Aracaju. 2ª. Ed. Aracaju: Gráfica J. Andrade, 2005, p. 358-359; 3 - SANTIAGO, Serafim. Annuario Christovense ou Cidade de São Christovão. São Cristóvão: Editora UFS, 2009, p. 76; 4 - SOBRINHO, Sebrão. Laudas para História de Aracaju. 2ª. Ed. Aracaju: Gráfica J. Andrade, 2005, p. 360-361; 5 – A Capela das Misericórdias e o referido teatro não existem mais existem SANTIAGO, Serafim. Obra citada, p. 115-116; 6 - SANTIAGO, Serafim. Obra citada, p. 76, 7 – idem; 8 - SANTIAGO, Serafim. Obra citada, p. 108; 9 - MECENAS, Ane; SANTOS, Magno; CARVALHO, Angélica de (org). Ao romper do século XX: o município de São Cristóvão por Manuel dos Passos de Oliveira Telles.  Aracaju: Criação, 2023, p. 122


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