Depois do sucesso de Lampião na Bahia (1989), hoje na 7ª edição, e d’O treme-terra: Moreira Cesar, a República e Canudos (1996), dentre outros títulos, Oleone Coelho Fontes lançou Euclides da Cunha e a Bahia: ensaio biobibliográfico, no fim do ano passado. Romancista e pesquisador dos grandes temas nordestinos, o autor surpreende pelas idéias que enfeixam a nova obra, ora resenhada. Com prefácio assinado pelo médico Lamartine Lima, seu conteúdo é dividido em duas partes: uma que relaciona personalidades da(na) Bahia a Euclides da Cunha na sua estada na Bahia (agosto a setembro de 1897), como jornalista-correspondente do jornal O Estado de São Paulo. Outra parte rememora a presença do escritor em Canudos e esmiúça Os Sertões, sua obra-prima.
Seguindo o itinerário do escritor em Salvador, Oleone Coelho reconstitui seus passos e contatos nos 70 dias (7/8 a 16/10/1897) que esteve hospedado no chalé, situado à rua das mangueiras, propriedade do tio José Rodrigues Pimenta da Cunha. Alguns contemporâneos como Luiz Viana, governador da Bahia; o médico Henrique Albertazzi, o poeta Pethion de Villar, general Solon Ribeiro, Francisco Mangabeira, o engenheiro Teodoro Sampaio, João Pondé, a feminista Francisca Praguer Fróes, o engenheiro Siqueira de Menezes, o médico Nina Rodrigues, Barão de Jeremoabo, Ludgero Prestes, o jurista Rui Barbosa; outros, extemporâneos como o poeta Castro Alves, o jornalista Odorico Tavares, o professor José Calasans e Ataliba Nogueira, figuram na primeira parte da obra.
Nesse conjunto de entrevistas mediadas e/ou articuladas por Oleone Coelho, ressalto três casos. Primeiro, o atrito envolvendo o Governador Luis Viana e o sogro de Euclides, o comandante Frederico Sólon Sampaio Ribeiro. O caso resultou no afastamento do militar que foi servir em Belém do Pará e demonstra a influência da política local na Guerra de Canudos, tema que Euclides da Cunha omitiu na sua obra-prima, por conveniência. Segundo, a polêmica em torno da omissão de Rui Barbosa no tocante ao massacre de Canudos e sua inveja de Euclides da Cunha. Inveja e despeito, reputa, explicaria a abstenção do tribuno na votação que assegurou vaga na Academia Brasileira de Letras, em 1903, bem como sua ausência na recepção ao escritor. Terceiro, a biografia de Francisca Praguer Fróes, médica baiana a quem Euclides dedicou um soneto onde descreve a paisagem dantesca testemunhada em Canudos.
Estribado em autoridades exponenciais do tema Canudos, Oleone Coelho corrige José Calasans, Óseas Araújo, Sylvio Rabelo, Antônio Nonato Marques, Roberto Ventura e Alfredo Silva. Ninguém é mais avaliado, impiedosamente avaliado, que o próprio Euclides da Cunha. Para Coelho, ele “padecia de um desconcertante defeito: a ingratidão” (p. 97). E lista nome de amigos injustiçados que cederam livros, opinaram e contribuíram decisivamente no texto de Os Sertões, a exemplo de Francisco Escobar e Teodoro Sampaio. Ressuscita a polêmica frase de José Calasans de que a obra euclidiana “era obra de uma equipe” (p. 108). Por último, corrige mais um equívoco de Euclides, Canudos não resistiu até o esgotamento total pois famílias fugiram antes da última barricada. Define a comunidade de Belo Monte, guiada pelo Conselheiro, de milenarista, messiânica e solidária; não socialista como quis Edmundo Muniz ou apocalíptica como defendeu Thomas Beebee.
O livro é fruto de uma pesquisa demorada, calcada em fontes, sério, no entanto alguns excessos estimulam o riso. Sub-capítulo bairrista justifica que Euclides da Cunha é baiano porque seu pai nasceu na Bahia; mais, que Os Sertões é uma obra baiana por tratar de um conflito ocorrido na região(!?). Sem esse disparate o livro ganharia muito em qualidade.
Resumindo, Oleone Coelho consegue num bom texto relacionar Euclides da Cunha e a Bahia, extrapolando a questão geográfica de forma criativa. E se existe um frenesi de um lado, revela-se um euclidianista comedido de outro, pois apesar de muito conhecer, não floreia suas fraquezas e revisa pontos críticos da obra-prima.
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