Tributo à Jenner Augusto

Auto-retrato de Jenner Augusto. Museu Histórico de Sergipe, 1981.


Carlos Augusto Brás

Acadêmico de Museologia/UFS

Brevemente, o Parque Teófilo Dantas localizado no centro histórico de Aracaju contará com um novo espaço de turistas e amantes da arte. O imóvel que outrora funcionou o Restaurante Cacique Chá, ponto de encontro de boêmios e da elite política e intelectual da capital, passa por completa restauração para abrigar centro cultural que levará o nome do artista plástico sergipano Jenner Augusto, que, estivesse entre nós, teria completado 87 anos na sexta, 11/11.

A homenagem é mais que merecida, embora tardia, devido à importância do pintor na modernização das artes plásticas nordestina, quiçá brasileira, a partir de um movimento nascido (rebentado) em Salvador nos anos 50 do século XX, endossado por Carlos Bastos, Wilson Rocha, Heron de Alencar, entre outros.

Nascido em Aracaju (1924), a infância de Jenner foi repleta de percalços, tão comuns nas famílias brasileiras menos abastadas e desprotegidas. A ausência do pai falecido, a moradia em diversas cidades do interior na companhia da mãe professora, o trabalho em busca da sobrevivência, que transformou os sonhos de criança em suor laboral. De engraxate a vendedor de lenha, de pintor de paredes a estrela de galerias pelo mundo afora. Nas veredas do seu caminho, luz e sombra foram parceiras inseparáveis. Essa nuance reteve nos recantos mais íntimo daquela alma adolescente, onde o dom da arte esperava o momento oportuno de fluir, o que não tardou a acontecer, exteriorizando-se na forma de imagens marcantes, fixadas nas telas com extrema sensibilidade, exibindo, a quem tem o prazer e o privilégio de admirá-las, os dramas sociais dos desvalidos, a natureza em toda sua plenitude, o ambiente urbano e rural.

Autodidata, os primeiros traços executados desde cedo, ainda pirralho, prenunciava o destino a ele reservado. Em 1945, aos 21 anos, realizou primeira exposição individual. Depois da segunda individual, em 1948, segue para Salvador a procura de evolução técnica e sucesso profissional, sendo acolhido de braços abertos pela comunidade artística soteropolitana.

O jeito simples, a humildade e a capacidade incansável de trabalhar em busca dos objetivos e acima de tudo o talento abriram as portas de um mundo desconhecido para o pintor; Salvador colonial, mística, rica e pobre num só tempo era um enigma. Mario Cravo Junior disponibilizou seu atelier ao recém-chegado, ali Jenner entregou-se de corpo e alma aos estudos pictóricos, com sensibilidade aguçada, excitando sentidos, inalando cores, respirando criação, eternizando as paisagens da terra que tão bem o acolheu.

Sua obra magnífica, desconhecida por muitos sergipanos, está presente no Brasil e no exterior, espalhada pelos museus e coleções particulares. Aqui em nosso Estado, elas podem ser apreciadas no Museu Histórico de Sergipe, em São Cristóvão, na sala que leva o seu nome. Foi ele quem, a pedido do Governador Luis Garcia em 1959, dirigiu as ações voltadas para a fundação da nossa mais importante casa de memória. Nela residiu quando o prédio estava em escombros, e foi o responsável direto pela pesquisa e aquisição do acervo, inclusive doando várias de suas obras. A cidade de igrejas e ladeiras ficou guardada para sempre na memória de Jenner como um lugar especial, palco de tantas boas recordações.

Jenner Augusto desfilou com segurança por vários estilos artísticos sempre com um traço seguro e inconfundível. Foi do abstrato “Favela” ao figurativo “Prof. Alencar”, da natureza morta de "Budião Azul” ao sonho cubista de “Gatos”, quadros expostos no Museu Histórico de Sergipe. Seu reconhecimento como artista de renome deu-se através dos diversos prêmios recebidos e exposições nos grandes centros culturais nacionais, Rio de Janeiro e São Paulo, bem como no exterior. As elogiosas críticas ao seu trabalho, publicadas por especialistas da área, sempre foram incontestáveis, evidenciando dessa forma o seu prestígio no universo dos pincéis, telas, paletas e cavaletes.

Artífice de imensos painéis decorativos, a verve criativa do artista era ilimitada. Essas peças adornam as paredes de varias instituições em Salvador, e em Aracaju estão presentes no hall da reitoria da Universidade Federal de Sergipe, no Hotel Palace de Aracaju e no Aeroporto Santa Maria. Lamentavelmente, no local onde funcionará a casa de cultura com seu nome, o mural de sua autoria encontra-se entregue à própria sorte, desprotegido, exposto à poeira e outros poluentes provindos da demolição que ali acontece, em risco iminente de dano, fato que passou despercebido da família do pintor, zelosa pela conservação do legado e dos responsáveis pela restauração do imóvel.

Jenner Augusto é nome do qual todos os sergipanos devem se orgulhar. Sua biografia bem poderia ser vertida em conto de fadas, fábula, folhetim, cordel, epopéia, aquarela ou auto-retrato em óleo sobre tela onde olhos carregados de um azul profundo deixam entrever o espírito indomável do arquiteto de tantas maravilhas, vivente de um mundo repleto de angústia, fantasticamente cruel e belo. Para ele Jorge Amado escreveu o poema “Receita de Jenner Augusto para fazer um quadro”, e Carlos Drummond de Andrade dedicou versos de “Alagados” que transcrevo abaixo:

Casebres à flor d’água

Balançam

No silêncio

O sonho de viver

O sonho de morrer.

Jenner Augusto sobre o céu de chumbo

Sob o céu violeta

Lê o horóscopo das criaturas

Que nos Alagados

Morrem sem viver.

Um comentário:

  1. Facinante biobrafia, além do mais por se tratar de um íncone da cultura sergipana como Jenner Augusto. Merece sim, tributos e homenagens que são os reconhecimenetos pelos seus préstimos serviços à comunidade sergipana. Nunca é tarde para se reconhecer um belíssimo trabalho e exemplo de vida, embora também acho que homenagens temos que fazer em vida, onde o homenageado tem a certeza e a satisfação de que o seu trabalho é valoroso e reconhecido por todos que o apreciam.

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