MONUMENTO A CRISTO, EM SÃO CRISTÓVÃO/SE: UMA CONSTRUÇÃO DA FÉ


Foto: Cleverton Costa, 2008

NOTA EXPLICATIVA
Diante da perspectiva do tombamento do Cristo Redentor de São Cristóvão, Cleverton Costa, tecnólogo em Gestão de Turismo, disponibilizou texto que trata da Festa e procissão de Cristo Rei, manifestação pouco conhecida, que é organizada na cidade histórica pela Paróquia Nossa Senhora da Vitória. Segue artigo do nobre colaborador .

MONUMENTO A CRISTO, EM SÃO CRISTÓVÃO/SE: UMA CONSTRUÇÃO DA FÉ

Cleverton Costa Silva*

Quando se discutem temas como tradições religiosas em Sergipe, São Cristóvão figura como referência. A cidade, fundada em 1590, é uma das mais antigas do Brasil e acumula traços culturais resultantes das influências dos colonizadores ibéricos e indígenas[1]. No calendário católico de São Cristóvão, destacam-se festas como a do Senhor dos Passos, realizada no segundo final de semana da quaresma [2]; a procissão do Fogaréu, de Corpus Christy, a festa da Padroeira Nossa Senhora da Vitória, festejada no dia 8 de setembro, dentre outras.

Além destas manifestações religiosas, existem outras menos conhecidas, a exemplo da Festa de Cristo Rei, que ocorre no penúltimo ou último domingo do mês de novembro, encerrando o Ano Litúrgico. A Festa de Cristo Rei é de longa tradição no catolicismo mundial, pois representa o fim de um ciclo iniciado com o nascimento de Jesus e encerrado com sua ascensão, como um verdadeiro rei que viveu entre os homens.

Segundo os mais antigos moradores de São Cristóvão, as comemorações já existiam na cidade antes da segunda metade da década de 1920. Porém, a construção do Monumento ao Cristo Redentor, em 1926, origina a peregrinação realizada até os dias atuais, que parte do centro histórico e termina no alto de São Gonçalo. De acordo com uma obra lançada recentemente, a inauguração do monumento deu-se no dia 12 de outubro de 1926, antecedida por uma procissão que culminou no depósito da imagem de Nossa Senhora da Piedade na gruta à base do monumento [3]. Em 1989, constava oficialmente o dia 26 de janeiro de 1926 como a data da inauguração do monumento[4].

Em obra monográfica, da historiadora Josineide Santana [5], a duplicidade de datas é esclarecida. Segundo a autora, foi publicado no Diário Oficial do Estado que a data de inauguração estava previsto para o dia 20 de janeiro de 1926, porém, a inauguração nesta data foi adiada devido ao segundo ataque de militares do 28º BC ao Presidente do Estado, Graccho Cardoso, liderados por Augusto Maynard Gomes, um dos responsáveis pela Revolta Tenentista em Sergipe.

O Cristo de São Cristóvão, construído na Gestão de Graccho Cardoso com apoio da Arquidiocese, foi interpretado como uma obra que promoveu a aproximação entre Igreja e Estado, ganhando repercussão além das fronteiras de Sergipe. A grande festa ocorreu, de fato, no dia 12 de outubro de 1926, reunindo a população, autoridades políticas e eclesiásticas. Josineide Santana explica ainda, em sua monografia, que romarias foram organizadas pela Paróquia Nossa Senhora da Vitória de 1932 a 1942. Daí por diante, as manifestações experimentaram variações no seu formato.

No dia 23 de novembro de 2008, tradição peculiar que valoriza o monumento foi realizada na histórica cidade. Quatro da madrugada foi a hora da concentração e saída da Praça São Francisco, iam à frente o Padre José Bernardino de Santana Filho, Pároco de São Cristóvão, seguido por coroinhas e fiéis, percorrendo a Rua do Rosário e a escuridão com orações e cantos. Sob os primeiros raios de sol, o Cristo despontava no alto do São Gonçalo, esperando os fiéis para a celebração.

Vencida a ladeira e as curvas tortuosas, já com o dia claro, iniciou-se a missa campal e foi lida a última liturgia do ano. Antes do encerramento da missa, os fiéis contemplaram, rejubilaram-se e reconheceram novamente Jesus como o Cristo Rei. Logo após, retomaram as suas rotinas diárias, prontos para renovarem o ciclo no próximo ano.

Tal manifestação sancristovense ganha relevância como patrimônio imaterial [6], embora siga um ritual singelo, sem encenações ou penitências, associa-se ao belo Monumento a Cristo, arquitetado por Belando Belandi, integrante da missão artística italiana que veio a Sergipe na primeira metade do século XX.

Outro elemento extremamente importante é o sítio onde ocorre a manifestação: o alto de São Gonçalo. Relevante monumento natural, o alto de São Gonçalo serve como mirante, revelando a histórica São Cristóvão, destacando-se na paisagem urbana a Igreja Matriz Nossa Senhora da Vitória, a Igreja Nossa Senhora da Conceição dos Homens Pardos, e os conventos do Carmo e São Francisco; logo adiante, o rio Vasa-Barris recorta o horizonte em seu trecho final.

Pelos múltiplos valores existentes: histórico, paisagístico, cultural e natural, o alto de São Gonçalo é digno de maior atenção da comunidade, gestores públicos e do Poder Judiciário. Neste sentido, o Ministério Público Estadual já começou a estudar a situação para auxiliar no processo de um possível tombamento do “Cristo de São Cristóvão” pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) [7]. Recentemente, o Ministério Público Estadual demonstrou ativamente esta preocupação, firmando Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Prefeitura de São Cristóvão, para que a mesma promova o tombamento e tome a guarda do citado monumento. [8]

Ao povo e aos gestores municipais, não cabe acompanhar a questão passivamente, pois a guarda e a manutenção de suas características materiais e imateriais são de pleno benefício e responsabilidade destas partes. Desta forma, manter o local limpo e conservado sem depredações, assim como o apoio às manifestações culturais na localidade, como a Festa de Cristo Rei, por exemplo, é a fórmula básica para dar o tratamento digno a este belo patrimônio sergipano.


*Tecnólogo em Gestão de Turismo pelo CEFET-SE; Técnico em Turismo pelo CEFET-SE; membro do Grupo de Estudos Defensores do Patrimônio Cultural Sergipano (DPCS); membro da Comissão Pró-Candidatura da Praça São Francisco, em São Cristóvão, a Patrimônio da Humanidade.

REFERÊNCIAS
1 - SANTANA, Robervan de S. Os espanhóis em Sergipe Del Rey. Aracaju: Info Graphics, 2008.
2 - FRAGATA, Thiago. Procissão dos Passos em São Cristóvão/SE. Senhor dos Passos em todos os passos. Márcio J. G. Vieira (org). Aracaju: J. Andrade; Banco do Nordeste, 2006. p. 21-25.
3 - BORGES et al. Paróquia Nossa Senhora da Vitória: 400 anos de história, fé e evangelização. Aracaju: J. Andrade, 2008.
4 - SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA. São Cristóvão e seus monumentos: 400 anos de história. Aracaju: s/ed, 1989.
5 - SANTANA, Josineide S. Em novos tempos de fé...: aspectos das mudanças na Igreja e religiosidade popular católica em São Cristóvão/SE (1911-1926). Monografia apresentada ao DHI/UFS, 2000, 64p. Não Publicada.
6 - Ver referência 4.
7 - FRAGATA, Thiago. Cristo Redentor de Sergipe. Disponível em: http://thiagofragata.blogspot.com/2008/08/cristo-redentor-de-sergipe.html , acesso em 29-11-2008.
8 - CRISTO REDENTOR VAI SER TOMBADO PELO MUNICÍPIO. Disponível em: http://www.jornaldacidade.net/2008/noticia.php?id=24608&hoje=2009-01-27%2015:21:45 , acessado em 27/1/2009.

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