Por Thiago Fragata*
O que pode haver em comum entre uma banda de rock e um filme? Será a fonte inspiradora. Vejamos. Sergipe vive um momento cinematográfico, afirmo embasado no sucesso do Curta-se 2011 e do filme Senhor do Labirinto lançado na segunda, 12/9, na abertura do citado evento. Concomitante a isso, o som psicodélico da banda The Baggios ecoava pelo nordeste na turnê de divulgação do primeiro disco.
O filme de Geraldo Motta foi inspirado no livro de Luciana Hidalgo “Arthur Bispo do Rosário: o senhor do labirinto”, de 1996. Assistir emocionado, talvez pela inexperiência que aflora a sensibilidade, talvez pela qualidade do conjunto da obra (produção, elenco, roteiro, enredo), ficarei com a última justificativa sem remorsos. Aliás, os loucos não sentem remorsos, segundo Erasmo de Roterdã, autor de Elogio da Loucura, de 1511.
O longa-metragem Senhor do Labirinto conta a trajetória do sergipano Arthur Bispo do Rosário. Ele nasceu em Japaratuba (1939) mas dizia ter descido dos céus, era Jesus (só para quem tinha olhos de vê!). Menino, negro e pobre matriculou-se na Escola de Aprendizes Marinheiros, no Rio de Janeiro. Treinou boxe, Passou décadas internado na Colonia Juliano Moreira, lá entrou com diagnóstico de esquizofrenia-paranóica. Durante 50 anos de clausura nessa e outras instituições produziu “um acervo de bordados, estandartes e assemblages que postumamente ganharam o Brasil e o mundo com seus insuspeitos traços de arte pop contemporânea e a pujança de sua trajetória”.
Arthur Bispo do Rosário com o Manto da Apresentação
Ano passado, o filme recebeu o prêmio de Melhor Longa Metragem de Ficção pelo Júri Popular, no Festival de Cinema do Rio de Janeiro. Pra mim, o traço marcante do filme que exorciza monotonia é a fina ironia do Bispo. A ironia, figura de linguagem que inverte o sentido das expressões, era na sua vida um recurso/escudo/espada. Ilustro com passagens do filme: para evitar visitas indesejadas ele questionava se o intruso(a) enxergava sua auréola santa, quem acenava negativamente, retrucava: não está preparado! E cerrava porta. Porém, uma estagiária Rosangela da Colonia Juliano Moreira insistiu e venceu. Encantadora, interpretada pela atriz Maria Flor, conquistou em pouco tempo a atenção do Bispo que dedicou-lhe obra e confessou um dia ter sonhado com ela, eram Romeu e Julieta. Na defensiva, a estudante de Psicologia lembrou que a estória tem um final triste, os personagens morrem. Bispo esclareceu “que sonhou apenas com o começo da estória e mudou o final, como no teatro!” Flávio Bauraqui que interpretou o Bispo do Rosário, numa das entrevistas a TV Sergipe, chamou o sergipano de "herói" ,atento então para esse super-poder.
José Sinval dos Santos, Baggio. Nasceu em São Cristóvão e queria ser cantor de sucesso. Viajou lugares, Rio de Janeiro e Salvador, com pouca roupa, muita ansiedade e fitas-cassete no bolso para mostrar nas gravadoras. Ninguém se convenceu do seu talento, surtou. Familiares empreendeu campanha para trazê-lo. Morei no bairro Avenida e assistir Baggio passar na frente de casa muitas vêzes. Ele desfilava num molejo de passos longos. Dias ostentava figurino que ele mesmo “ajeitava”, incrementado às vezes com extravagâncias (latinhas, arame farpado, etc). Jogava charme para as meninas e brincava com palavras, dedilhando violão. Lembro dele cantando hits de Raul Seixas: trem, maluco-beleza, gita, sociedade-alternativa, mosca na sopa, etc
Em 2004, os meninos de São Cristóvão resolveram homenagear “o andarilho hyppie” e batizaram a banda de rock com a sigla The Baggios. Semana passada, o duo Júlio Andrade (guitarrista e vocal) e Gabriel Carvalho (baterista) encerrou turnê 2011 pelo nordeste, divulgando o primeiro disco. Vale a pena baixar e conferir músicas, muitas retratam lugares, pessoas e aspectos do universo de São Cristóvão.
Mas falar da fonte inspiradora da banda é falar de Baggio. Um documentário-facilitador foi lançado em 2007, “Baggio Sedado”. Co-dirigido pelo jornalista Diego Oliveira e vocalista Julio Andrade, teve produção de João Lima. Idealizado para ilustrar por meio de imagens e depoimentos de familiares, amigos e estranhos a personalidade de Baggio. Para muitos apenas um louco. Para outros, representação viva da manutenção de um espírito revolucionário na pacata cidade; um “punk” interiorano que apenas com sua resistência teria contribuído para cena cultural. Obra permite discutir por meios audiovisuais o relacionamento da nossa sociedade com a loucura e com o conceito de normalidade.
Atualmente, Baggio vive nos arredores do bairro Avenida cercado dos cuidados da mãe, Dona Silvia, a atenção da vizinhança e companhia do cachorro Beethoven.
Arthur Bispo deixou uma obra inspiradora, intrigante, consagrada. O filme Senhor do Labirinto difundirá ainda mais todo seu talento. A The Baggios segue a loucura de José Sinval dos Santos, solfejando que a “arte de ser louco é nunca cometer a loucura de ser normal”. O Bispo era Deus do seu mundo particular, Baggio ensaiou Raul Seixas.
Thiago Fragata é poeta, historiador, especialista em História Cultural e Diretor do Museu Histórico de Sergipe (UFS). Email: thiagofragata@gmail.com
Fontes:
http://www.infonet.com.br/cultura/ler.asp?id=118417&titulo=cultura
http://www.itnet.com.br/imprimir-14701
http://baggiosedado.wordpress.com/
Meu querido Fragata, gostei imensamente de seu texto, tanto que tomei a liberdade de publicá-lo em meu blog antes mesmo de lhe pedir autorização (peço agora - rsrs). Não tive ainda a oportunudade de assistir ao filme, mas farei o mais breve possível. Um abraço.
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