Carlos Augusto Braz de Jesus*
Há algum tempo ouvimos falar com freqüência no termo sergipanidade, um vocábulo que carrega uma aura de modernidade por estar ligado a processos de reconhecimento de identidades culturais e suas diferenças, mas que na verdade é mais antigo do que parece. Vejamos o que diz o historiador sergipano Luiz Antônio Barreto, em seu artigo “Sergipanidade, um conceito em evolução”, publicado no site da Infonet, datado de 10/06/2011:
“Desde Prado Sampaio, aluno no Recife e discípulo de Tobias Barreto, que entrou no vocabulário sergipano o termo sergipanidade, ainda que vagamente citado, como um louvor ao fazer cultural sergipano”.
Prosseguindo, Barreto vai mais longe e conceitua sergipanidade de forma categórica, oferecendo dessa forma um excelente indicador para os que não conhecem o significado da palavra:
“SERGIPANIDADE é o conjunto de traços típicos, a manifestação que distingue a identidade dos sergipanos, tornando-o diferente dos demais brasileiros, embora preservando as raízes da história comum. “A SERGIPANIDADE inspira condutas e renova compromissos, na representação simbólica da relação dos sergipanos com a terra, e especialmente com a cultura, e tudo o que ela representa como mostruário da experiência e da sensibilidade.”
Evidentemente no elenco de atitudes e sentimentos cultivados zelosamente pelos bons cidadãos, insere-se o respeito incondicional aos símbolos cívicos da terra natal, premissa elementar do nacionalismo, presente nas nações de todo o universo. O assunto é abordado no livro “FORMAÇÃO DO POVO SERGIPANO”, de autoria do professor e pesquisador José Silvério Leite Fontes, páginas 25 e 26, edição comemorativa do bicentenário de nascimento de Antonio José da Silva Travassos, da seguinte forma: “Na formação de qualquer sociedade grupal, desempenham papel importante, os símbolos e os mitos”. Esses signos estão repletos de representatividade, são reconhecidos e preservados, portanto, causa indignação e perplexidade quando são profanados, conforme ocorreu com o brasão oficial do Estado de Sergipe, que sofreu modificações injustificadas, realizadas na surdina, num flagrante desacato às nossas tradições, atentado ignóbil ao patrimônio sergipano.
Conheci o brasão original ainda na adolescência, nos bancos escolares, e a incredulidade inicial ao ve-lo modificado deu lugar a um desejo iminente de encontrar informações minuciosas e seguras sobre a obra e seu criador, constatando dessa forma que ele foi idealizado pelo emérito professor e filólogo Bricio Cardoso, cidadão natural da cidade de Estancia, e foi oficializado através da Lei Nº 02, de 5 de Junho de 1892. As figuras que usou que simbolizavam nossas riquezas naturais de então, a modernidade e o progresso vindouro, a inclusão do homem em uma nova civilização.
Sobre as transformações realizadas na insígnia, encontrei apenas as que se encontram inseridas na homepage da Casa Civil do Estado de Sergipe, depositária desta simplória pérola, totalmente desprovida de conteúdo: “o brasão passou por uma restauração para resgatar sua qualidade técnica”. Ao lado de tal argumento, a nova versão, escandalosamente deturpada despida dos seus significados, e a legenda histórica SUB LEGE VERITA (sob a lei e a verdade) substituida por SUB LEGE LIBERTAS (sob a lei e a liberdade).
Nenhuma informação adicional sobre data e número do decreto que legalizou a trapalhada, se é que houve, e muito menos quem foi o artista que criou tão grotesca imagem, que joga no lixo os ideais coletivos transfigurados na obra de Brício Cardoso.
Que resgate de qualidade técnica sobrepõe-se ao orgulho, à memória, ao pertencimento e a identidade calcada num passado glorioso, de lutas, conquistas e mitos intemporais?
Quem autorizou tamanho dano a um bem público?
Onde estão os historiadores, os intelectuais, os acadêmicos, os artistas, os jornalistas formadores de opinião, os juristas, os deputados e vereadores, que não perceberam, e se assim o fizeram, se omitiram ante tamanha violação? Lembro-me que décadas atrás no currículo escolar do ensino fundamental estavam incluídas duas disciplinas interessantes, OSPB (Organização Social e Política do Brasil), e EMC (Educação Moral e Cívica), que juntas, incutiam nas mentes dos jovens de então, a importância do amor pátrio, e aos seus emblemas sagrados, o conhecimento das leis e funcionamento das instituições. Nesse contexto, a História de Sergipe ocupava um espaço relativamente pequeno em relação à História Geral do Brasil, o que infelizmente parece persistir.
Nos dias atuais as escolas públicas estão bem piores que as dos anos 60, e por vários fatores não atuam como agentes formadores de cidadania. Grande parte dos alunos não tem conhecimento das noções básicas de civismo e do funcionamento das instituições governamentais, ignoram nossas insígnias e efemérides ficando dessa forma alheios a determinados valores tão importantes na formação do cidadão.
A intervenção no brasão é uma boa oportunidade para renovarmos nossas convicções, resgatarmos fatos e nomes ilustres que plantaram, com labor intelectivo , a semente do patriotismo. É preciso construir continuamente a sergipanidade, tijolo por tijolo, em todos os segmentos sociais, demonstrando que temos auto estima, referências e valores próprios, explícitos em nossas manifestações e hábitos culturais.
Vamos então, coletivamente, cobrar justificativas, clamar pelo justo direito e exigir o resgate imediato de tão importante elemento, selo inconteste do Estado de Sergipe?
*Acadêmico de Museologia (UFS). Email: carlosaugustob@oi.com.br
Thiago tem alguma reprodução do brasão original?
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