Aconteceu na manhã da última
terça, 28/2, diante do altar do milagreiro Senhor dos Passos a VIII Roda de
Leitura de São Cristóvão que fez uma homenagem ao santo através dos textos
selecionados. A programação efetivada contou com exibição de entrevista de Dona
Marinete Paiva, in memoriam,
prestando depoimento sobre a procissão secular. Num segundo momento, contadores
revezaram-se na leitura de textos e poesias. Respectivamente, Thiago Marcelo
cantou versos do cordelista Luiz Melo, Maria Rita recitou poesia de Elyseu
Carmelo; Eliene Marcelo fez leitura dramática de texto de Verônica Nunes sobre
ex-voto, Rose Barbosa leu trecho das memórias de Serafim Santiago a respeito do
achado da imagem de Senhor dos Passos, Maria Gloria fez leitura de artigo de
Thiago Fragata e este divulgou poesia de Alberto de Carvalho e texto memorável
de Gumercindo Bessa de 1911. Manoel Ferreira, convidado especial, encerrou o
evento diante do público atento declamando poesias.
Segue textos e imagens:
O
MILAGROSO SENHOR DOS PASSOS DE SÃO CRISTÓVÃO [1]
Quem
visita São Cristóvão
Bela
e antiga cidade
Se
encanta pelo passeio
Onde
se anda à vontade
Com
jeito de encontrar nela
A
própria felicidade.
O
clima é sempre gostoso
E
faz bem ao visitante
Que
se chegar com calor
Sente
conforto num instante
Pela
brisa que circula
De
forma quase incessante.
Tem
ruas que começam
Nas
estradas principais
e
atravessam a cidade
como
veias naturais
onde
andam os visitantes
que
chegam cada vez mais.
Vão
chegando em multidões
Em
transportes diferentes
Em
ônibus tão luxuosos
Que
espantam muita gente
Ou
dividindo carona
Com
companheiros contentes.
São
Cristóvão permanece
Igualzinho
ao que ela é
Uma
cidade tranqüila
Sem
um abalo sequer
Que
se transforma somente
por
causa da sua fé.
Thiago Marcelo fez leitura do cordel
ORIGEM DA IMAGEM [2]
Rose Mary Barbosa leu
um trecho das memórias que SERAFIM SANTIAGO escreveu entre os anos de 1890 e
1915:
“Um homem praiano
(diziam eles) cujo nome não me lembro encontrou certo dia, rolando pela costa
que fica ao sul da cidade, um grande caixão resultado talvez de um naufrágio de
alguma sumaca; ele cuidadosamente rolou-o para a terra, abrio-o e surpreendido
ficou verificando a existência de uma perfeitíssima imagem de roca em tamanho
natural. O homem de educação religiosa muito honesto, tomou uma canoa e nela
acomodou o referido caixão, e com outros companheiros transportou para a velha
cidade o feliz e milagroso achado. Foi esta sagrada imagem ali entregue aos frades
jesuítas carmelitas que colocou em uma capelinha da Igreja - Ordem 3ª. do
Carmo, e depois de longos anos, mudada pra o trono do Altar-mor da mesma igreja.
Como sabem, sempre foi no segundo domingo da quaresma, o dia aprazado para efetuar
a tradicional Procissão dos Passos na antiga cidade”.
Thiago Fragata
PROCISSÃO DE SENHOR DOS PASSOS DE SÃO CRISTÓVÃO/SE [3]
Maria Gloria, diretora da Casa do Folclore
fez leitura do texto que THIAGO FRAGATA escreveu em 2006:
“A Procissão do
Senhor dos Passos, que acontece na quarta cidade mais antiga do Brasil, sai do
Convento de Nossa Senhora do Carmo, no sábado à noite. Depois dos ofícios, o
préstito acompanha a imagem até a Igreja de Nossa Senhora da Vitória. O que os
romeiros assistem a cada ano é uma espécie de auto dramático, ambulante,
barroco, com paradas denominadas “Passos” ou estações da Via Crucis. Entre a
massa de fiéis predomina a túnica roxa atada com cordão, à semelhança da
imagem, numa forma de compartilhar o sofrimento do nazareno como um cirineu.
As mais variadas
promessas já foram cumpridas: um certo Chico Alves, arrastou pesada cruz de
Aracaju a São Cristóvão; outro “pagador de promessa” esculpiu livro de madeira,
como ex-voto, porque aprendeu a ler e escrever depois de adulto.
No domingo, acontece
a Procissão do Encontro. O ápice desse ato é o encontro das imagens do Senhor
dos Passos e de Nossa Senhora das Dores, invocação mariana. Seguindo percurso
distinto, a primeira sai da Igreja Matriz ao tempo em que a segunda sai do
Convento do Carmo. Milhares de fiéis ganham as ruas e a Praça São Francisco
para escutar o sermão e o canto da Verônica que enredam a comovente liturgia do
catolicismo colonial.
Os milagres
atribuídos ao Senhor dos Passos geraram os ex-votos e resultaram no Museu que
hoje ocupa o claustro da Ordem Terceira do Carmo. Ex-voto é abreviatura de “ex-voto suscepto”, frase latina que
significa “promessa feita”. Como
obras de arte ou prova da graça alcançada, tais objetos elaborados em madeira,
parafina, gesso ou barro representam a parte do corpo sobre a qual o
promesseiro rogou a intercessão do taumaturgo. No acervo do Museu dos Ex-votos,
aberto a visitação pública de domingo a domingo, podemos encontrar os mais enigmáticos
símbolos da fé cristã
No
passado, São Cristóvão foi centro político e religioso da Capitania de Sergipe
Del Rey. Esse antigo centro de convergência religiosa preserva manifestações
culturais do período colonial, como a Procissão de Senhor dos Passos”.
SABADO
DE PASSOS [4]
Maria Rita, diretora do Colégio Estadual
Elísio Carmelo, fez leitura da poesia que jornalista ELYSEU CARMELO escreveu em 1940:
Não há
brutalidade, ó criatura louca
Nessa
prece de dor que alguém vedes fazer
Quão bela
e majestosa é! Silêncio! Vossa boca
Fecha-se
para sempre – e dar-vos-hei a crer.
Nessa
efusão sublime de pertinaz querer
Que
Deus inflama às almas... à alma frágil, louca!
Tendes
à via Sacra, de rastro, um magro ser
Ao céu salmos
cantando, em voz tremente, rouca.
Um
êxtase supremo! Pensando em tal martírio
Magna,
sentires vãs, do coração a dor
Refletindo-se
à vossa alma, em transes de agonia.
Quem de
joelhos passa lembrando seu martírio
Fá-lo
sinceramente seguindo o Redentor,
Ferido
e torturado, do seu calvário à via.
Verônica Nunes
A PROCISSÃO DO SENHOR DOS PASSOS E O DEPÓSITO
DO EX-VOTOS [5]
Eliene
Marcelo leu trecho de um artigo que VERÔNICA NUNES escreveu em 2006:
“A
procissão do Senhor dos Passos, realizada desde o século XlX no segundo sábado
da quaresma na cidade de São Cristóvão em Sergipe, é, provavelmente, a primeira
referência à prática votiva que registra o depósito da imagem simbólica da ação
milagrosa, isto é, a materialização do agradecimento do penitente promesseiro
ao Senhor dos Passos.
O
memorialista Serafim Sant’ lago narrando a festa dos Passos, afirma que no
segundo sábado da quaresma dobravam os sinos da igreja da Ordem Terceira do
Carmo, anunciando a procissão da noite, denominada de “depósito”.
É
nessa procissão que os devotos pagadores de promessa trajando, ou não, túnica
roxa, pés descalços e portando seu ex-voto na mão, acompanham de joelhos, ou
caminhando, o itinerário dos sete passos da paixão. O percurso é compreendido
entre as igrejas do Carmo Pequeno e de Nossa Senhora da Vitória – locais da
saída e do recolhimento da procissão noturna.
A
contextualização desse ritual de desobriga votiva completa um ciclo, isto é,
uma situação aflitiva estabelece o pedido de socorro ao Senhor dos Passos –
voto e o milagre – e o ex-voto dá início ao cumprimento da promessa, que
pode ser pessoal ou a oferta de um objeto que represente o pedido solicitado. A
segunda forma permite que o promesseiro procure um artista para executar o
ex-voto que configure o pedido. Percebe-se assim o caráter testemunhal do
ex-voto enquanto expressão da gratidão à divindade pela necessidade atendida.
No
claustro da igreja do Carmo, onde está instalado o Museu do Ex-voto,
conservam-se os sinais da expressão votiva popular; ex-voto antropomórficos,
fitas, casas, cartas, fotografias, em suportes tradicionais e atuais que
evidenciam o agradecimento pelos milagres obtidos.
(...)
Os
ex-votos antropomórficos são entendidos como milagres médicos. Na maior parte
das vezes, os objetos depositados reproduzem pés, pernas, abdômen, mamas, mãos,
cabeças, corpo inteiro, muitas vezes com inchaços, ferimentos e saliências,
sinais indicativos da área lesionada. Alguns possuem as áreas afetadas com
coloração vermelha ou violeta para ilustrar o motivo do pedido. Esse tipo de
ex-voto pode ser considerado como o testemunho de que, muitas vezes, só resta a
esperança de recorrer ao Senhor dos Passos porque, para muitos promesseiros, os
recursos da medicina escapam de seus bolsos vazios ou principalmente, motivos
pelo sentimento da esperança da cura através da fé no Senhor dos Passos,
demonstrando o poder da força divina”.
SOBRE FESTA DE SENHOR DOS PASSOS [7]
Thiago Fragata leu também texto que MARFÓRIO
(pseudônimo de Gumercindo Bessa) escreveu em 1911:
“Hoje na velha cidade
de São Cristovão, há de percorrer a sua estrada dolorosa esse merencório e
ensangüentado Senhor dos Passos, baloiçando-se na sua charola de prata e
veludo; majestoso mesmo na atitude de esmagado sob o peso da cruz; envolvido em
espirais de incenso e mirra; segurando na mão direita, roxa de echymoses, o seu
bouquet de cravos brancos de noivo da morte; sereno no seu sorriso de mártir
resignado e no seu olhar agasalhador, de transparência cristalina, que parece
pedir que mil vezes ele possa ter o gozo divino de perdoar.
Ele passará por entre
a turbamulta dos que adoram, nessa hora em que o sol, quase a sumir-se nas
bandas do oeste, vai enchendo de sombras o vale do Paramopama, e em que o
ambiente começa a encher-se da melancolia do crepúsculo, que é quebranto da
natureza.
Ele passará, nesse
momento indefinível que o luto que desce dos céus vem encontrar-se na terra com
os soluços do bronze, que baixam de todas as torres e casar-se com os trechos
da musica sacra que sobem da nave do templo.
Ele passará hoje,
como passou há duzentos anos, como há de passar duzentos anos depois de nós.
Foi no segundo
domingo da quaresma do ano da graça de 1886, que Marfório o viu pela primeira e
única vez. Será a ultima?
Marfório tinha então
sangue na guelra, era rapaz alimentava esperanças, ilusões, sonho de ouro
pensava que tinha talento. Na véspera da festa
foi a ordem 3ª do Carmo para ver de perto demoradamente e só, a bela escultura
do Cristo.
Não teve o prazer de
fazer sozinho o seu estudo. Lá estava o armador Luiz Pitanga enfeitando a
charola, pregando e colando.E, segundos depois,
chegava assobiando, o José Pedro, que se dirigindo para o lado do andor dizia
familiarmente:
- Bom dia; Senhor
- Bom dia, seu
capitão; respondia o Pitanga.
- Não é com o senhor
que eu falo, é com o Senhor dos Passos; retrucou o velho dos assobios.
Marfório não pôde
conter-se desabalou-se numa gargalhada das de Arthur Fortes e retirou-se.
Noite cerrada,
Marfório voltou ao Carmo para ver a procissão da trasladação.
Viu ao pé da charola,
numa posição indescritível de fidalgo e penitente, um velho esguio, alto,
aprumado, moreno, barba branca, cerrada e curta, cabeleira rebelde, trajado com
elegância e modéstia, silencioso, imóvel, aguardando a saída da procissão
naquele posto, para que ninguém lhe roubasse o gozo de pôr aos ombros um dos
varais do andor.
Marfório perguntou ao
Antonio Barroso, então rapaz e esperto:
- Quem é esse
figurão?
- É o nosso grande
Antonio Dias.
- Quem é o grande
Antonio Dias de vocês?
- Oh! Doutor! Não
conhece o Antonio Dias dos Curiais!
- bradou uma voz
atrás de Marfório.
Voz que saia da boca
do Antonio de Jesus Cezar, o mais trefego, o mais revolucionário, o mais
valente dos filhos de São Cristovam, leão que diante de Marfório, por um
fenômeno inexplicável, se convertia no mais submisso dos amigos.
Mas, no mesmo
instante, entram na igreja o Manuel Góes, presidente da província, o Rastelli,
juiz de direito da comarca, e o Oséas, secretario do governo.
E, vão entrando e vão
dizendo:
- Sr. Senador, - diz
o Góes.
- Sr. Barão, diz o
Rastelli.
- Meu chefe, diz o
Oséas.
Então o vulto imóvel
falou. Palavra imprecisa, hesitante, acanhada; mas com o tal timbre de
dignidade e afirmação de si, que se sentia uma alma nobre ali dentro e um homem
incapaz de uma falsidade. Isto passou.
O velho Barão da
Estância descansa em Deus, abençoado pelo prazer dos que tiveram o prazer de
ser seus amigos.
O Antônio Barroso
engordou e vende sal.
O Góes e hoje um
senador apagado por Alagoas; o Restelli morreu; e morreu o Óseas.
E o Senhor dos Passos
aí se exibirá hoje, o mesmo moço de cabeleira negra anelada, de barba preta
pírfida, de supercílios longos e sedosos, fazendo sombra ao olhar meigo e
acariciador; sempre sob o peso da sua cruz; sempre com o seu ramo de cravos;
sempre envolvidos nos espirais do incenso e mirra; sempre baloiçando-se na
charola de prata e veludo, na hora em que o sol transmonta e em que os soluços
do bronze impregnam as almas da nostalgia do céu.
Abençoado seja ele”.
SOLENIDADE DE PASSOS
[inédita]
MANOEL
FERREIRA escreveu em 20 de março de 2011:
Ato
comovente, expressando fé, gratidão e humildade
Penitência
de fiéis participando de Procissão de Senhor dos Passos
Uns
acompanhando a procissão de velas acesas
Outros
usando indumentária cor das vestes das imagens
Alguns
seguindo a trajetória de joelhos
E
outros ainda conduzindo feixe de lenha na cabeça.
Põe-se
em evidência o sofrimento
Expressando
gratidão de criaturas reconhecidas
Extravasando
o coração.
São
Cristóvão agradece e aplaude,
Presença
do nosso querido venerável Arcebispo
Dom
José Palmeira Lessa, abrilhantando solenidade
E
nos enriquecendo com subsídios do Sermão do Encontro
Deus
seja louvado,
Pai
de bondade e misericórdia,
Derramando
suas bênçãos e graças
Sobre
esta nossa sofrida e querida São Cristóvão.
GALERIA DE IMAGENS
Manoel Ferreira encanta o público com o veludo de sua voz
Público atento aos versos de Alberto Carvalho
Público do ELIC participou atentamente do evento
Maria Gloria partilha texto com a platéia
[NOTAS DA
PESQUISA]
1 - MELO, Luiz. O milagroso Senhor dos Passos de São Cristóvão/SE. Londrina, 2009. (Literatura
de cordel)
2 - SANTIAGO, Sant’Iago. Annuario Christovense ou Cidade de São Christovão. São Cristóvão:
Editora da UFS, 2009, p. 180.
3 - FRAGATA, Thiago. Procissão dos Passos
em São Cristóvão/SE. In: VIEIRA, Márcio José Garcez. Senhor dos Passos em todos os passos. Aracaju: Gráfica J.
Andrade/Banco do Nordeste, 2006, p. 21-25.
4 - Arquivo Geral
do Judiciário de Sergipe. Aracaju. Sabbado de Passos, de Elyseu Carmelo, de
19/2/1940. Livros manuscritos de Elyseu
Carmelo.
5 - NUNES, Verônica. A
procissão do Senhor dos Passos e o depósito de ex-votos. In: VIEIRA, Márcio
José Garcez. Senhor dos Passos em todos
os passos. Aracaju: Gráfica J. Andrade/Banco do Nordeste, 2006, p. 5-6.
6 - CARVALHO,
Vladimir Souza (Org.) Alberto Carvalho:
toda poesia. Aracaju: Sec. De Estado da Cultura, 2005, p. 138.
7 - MARFORIO
(Gumercindo Bessa). Ortigas XI. Diário
da Manhã. Aracaju, Ano I, N. 32, 12/03/1911, p. 1.
CRÉDITOS DAS IMAGENS: Grazziele Santos (ASCOM/PMSC)
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