Por Thiago Fragata**
A antiga São Cristóvão tem configuração urbanística medieval - lembra uma acrópole grega – arquitetada segundo a mentalidade de seus benfeitores em duas cidades ou planos: a cidade-alta e a cidade-baixa. A cidade-alta, ou centro histórico, sediava a estrutura do poder político-judicial e religioso da Capitania de Sergipe D’El Rey; quanto à cidade-baixa, estava destinada ao comercio e a pesca facultada pelo rio Paramopama, afluente do rio Vaza-barris que constituía principal zona da produção canavieira. As “cidades” aglomeravam atores distintos, classes distintas que, em raríssimas ocasiões, contracenavam nas praças da urbe secular. No centro histórico encontramos a Praça da Matriz, a Praça do Carmo e a Praça São Francisco. Essas praças testemunharam as batalhas, as solenidades cívicas, os atos religiosos e as festas, enfim os momentos mais especiais da vida sancristovense.
A Praça São Francisco tem História. Dentre tantos conceitos que a palavra praça pode representar, o mais compreensível de todos é o de um espaço amplo e aberto cercado de edifícios. Dessa forma ponho em relevo o caso da Praça São Francisco, nome emprestado do antigo e portentoso Convento que junto com a Santa Casa de Misericórdia, o Palácio Provincial e a Ouvidoria desenham seu retângulo ou seu espaço de vivências. No desenrolar dos séculos a memória dessa praça assustaria o leigo: colonizadores despossuídos rogam auxílio às portas da Misericórdia, assim como os órfãos, as viúvas e tantos infelizes; holandeses queimam e matam pelo controle da cidade amontoando defuntos no espaço público; franciscanos arregimentam trabalhadores para construção de um convento; frequentemente, solenidades garbosas marcam a posse de capitães-mores e ouvidores.
Povo, poder e clero deixaram suas pegadas na Praça São Francisco. Tantas personalidades... seria inútil citar e impossível quantificar. Incita nossa imaginação pensar o que pensou/sentiu Gregório de Matos Guerra quando esteve
A Praça de São Francisco tem religião. Não apenas o convento que outrora abrigou a ordem franciscana tão dinâmica na vida social da cidade, mas os carmelitas e religiosos das tantas irmandades católicas sempre organizaram quermesses, sermões, missas campais e procissões nessa praça. Tanto a Procissão do Senhor dos Passos quanto a Procissão do Fogaréu e a encenação da Paixão de Cristo tem seu enredo, cenário e palco na Praça São Francisco. E ela tem efetivamente participado do cotidiano da cidade em mais de quatros séculos de experiência histórica.
A Praça São Francisco tem festa. Espaço principal de eventos como o Carnaval, o São João, a Cidade Seresta e o Festival de Arte de São Cristóvão, nela se concentram os respectivos brincantes do frevo, do forró, da boemia e da cultura popular. O patrimônio imaterial ganha relevo nesta praça. Nas serestas milhares de espectadores festejam o desempenho de astros da música nacional no cenário barroco que complementa o romantismo de canções e noites enluaradas.
Por último e não menos importante, vale ressaltar que a referida praça é um postal completo da cidade histórica, êxtase dos visitantes e pesquisadores, o que nos remete a verdade de Eurico Amado quando reputa que “a Praça São Francisco é, com certeza, o mais belo e harmonioso conjunto arquitetônico colonial do Brasil. Nela o visitante tem a impressão de estar integrado num longínquo instante da História, convivendo com as primeiras raízes da nacionalidade”.[2] Não se pode esquecer que o Museu Histórico de Sergipe e o Museu de Arte Sacra estão situados na referida praça, respectivamente, nas dependências do antigo Palácio Provincial (1960) e na Ordem Terceira do Convento São Francisco (1974). Um e outro permitem ao visitante conhecer o imaginário e a reconstituir a vida, o ambiente religioso e social dos séculos XVII, XVIII, XIX e início do XX.
* Proposição de inscrição da Praça São Francisco a Patrimônio da Unesco. Aracaju: Secretaria de Estado da Infra-Estrutrura, IPHAN, Prefeitura Municipal de São Cristóvão, 2006, p. 117-122.
** Thiago Fragata - Co-autor da Proposição e coordenador da Comissão Pró-Candidatura da Praça São Francisco de São Cristóvão na lista de Patrimônio da Humanidade; Pós-graduando
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] - NUNES, Maria. Sergipe Colonial II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996, p. 317.
[2] - CARVALHO, Eliane Maria Silveira Fonseca. São Cristóvão e seus monumentos: 400 anos de História. Aracaju, 1989, p. 27.
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