Projeto SÃO CRISTÓVÃO: CONHECENDO NOSSA HISTÓRIA realiza 2ª palestra



Na tarde do último sábado, 25/04, o professor José Lúcio Batista Silva proferiu a palestra “Trabalho (política) e diversão nas fábricas têxteis de São Cristóvão (1911-1980)”, no auditório do Museu de Arte Sacra da cidade histórica. Sua intervenção no Ciclo de palestras São Cristóvão: conhecendo nossa História, projeto nascido da parceria entre a Comissão Pró-candidatura da Praça São Francisco a Patrimônio da Humanidade e a Secretaria Municipal de Educação de São Cristóvão, muito agradou o público que recebeu texto-base e esclarecimentos sobre a fase industrial, encerrada há duas décadas.



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TRABALHO (POLÍTICA) E DIVERSÃO NAS FÁBRICAS TÊXTEIS DE SÃO CRISTÓVÃO (1911-1980)


Por José Lucio Batista Silva*

A inauguração da linha férrea em 1911, da Fábrica São Cristóvão (1914) e da Companhia Industrial São Gonçalo (1944) reverteram a decadência legada pela Mudança da Capital. A cidade renasceu, retornando pujante ao cenário econômico, político e social de Sergipe. Como pólo fabril alternativo, a cidade recebeu muitas famílias sertanejas nas primeiras décadas do século XX. Importante destacar que tanto a vida econômica, quanto a política e cultural seriam transformadas a partir das fábricas. Juntas, elas criaram cerca de 1500 empregos, mudando radicalmente o panorama citadino.

São Cristóvão deve muito as empresas têxteis, ambas proporcionaram empregos, recuperação da auto-estima do povo, enfim, qualidade de vida. Não diferindo das suas co-irmãs, as fábricas implementaram também práticas de controle sobre os operários mesmo nas vilas e/ou nos momentos de lazer. O patrocínio da vida cultural (carnaval, São João, natal, futebol) ou o privilégio de morar na vila operária devem ser interpretados como uma liberdade vigiada.

As casas dos operários obedeciam ao padrão das vilas operárias da década de 1920. Tinham fogão de lenha, sanitário rústico, sendo o chafariz e o banheiro de uso coletivo. As duas vilas possuíam armazém geral (na São Gonçalo se chamava cooperativa).

As fábricas construíram seus campos de futebol que resistem até hoje ao avanço imobiliário, ambas fundaram times de futebol, que ao longo dos anos mudavam de nome, se adequando às situações, uma e outra patrocinavam a vinda dos famosos carrosséis que tanto agradava a garotada. Outra atividade patrocinada era o Carnaval, onde os ranchos – como se chamavam os blocos carnavalescos – recebiam tecidos multicoloridos para confecção das fantasias. Os desfiles ocorriam nas ruas e nos bailes momescos.

Nas décadas de 1930, durante e pós-Segunda Guerra (1939-1945), São Cristóvão teve prefeitos conhecidos no ambiente fabril. Destacam-se Pedro Montalvão Amado, Antônio Bastos, Hélio Amado, Deoclécio Vieira e Elísio Carmelo. Os emblemáticos foram Lourival Baptista e Romualdo Prado, o primeiro entre 1951-1954 e o segundo entre 1963-1966.

Lourival Baptista, recém formado em medicina, clinicou nas duas fábricas até ser eleito em outubro de 1950, um dos seus feitos foi aterrar o famoso barrocão do Aleixo, ou seja, criou condições de tráfego na Ladeira de Zazá ou ainda do INPS, mudando assim a configuração da cidade. Para substituir Lourival Baptista, surge o operário da Fábrica Velha, o Sr. Deoclecio Vieira. Foi no seu governo que a CHESF em 1955-56 se estabelece em São Cristóvão, fornecendo energia para as duas indústrias e as residências de seus operários.

Nesse período, um itaporangense residente em São Cristóvão se destaca na política. Eleito Deputado Estadual (1954), o Sr. Manoel Ferreira apresenta projetos inovadores para a época, busca proteger as nascentes dos rios sergipanos e desenvolve contatos para implantar em São Cristóvão o curso regular de Ginásio, ou seja, da 5ª a 8ª séries. Sua larga visão empresarial faz inaugurar o Bar Candango’s, logo após a inauguração de Brasília. Seu nome homenageia os nordestinos que construíram a moderna capital do país. Antes do Candango’s tínhamos o bar de Paulo ou Vitória, o bar de Decinho, o bar de Gervásio ou Velha Cap, o Bar São João e o Bar da Ladeira.

Na década de 40, havia um cinema improvisado numa residência da Rua Pereira Lobo, era o cinema de Otacílio Prado. O cine Fabril surgiu no final dessa década. O cine Trianon surge nos anos 50, destacando-se por suas condições de teatro e equipamentos modernos.

Em 1958 São Cristóvão tem novo prefeito, o Sr. Elísio Carmelo; o Brasil consagrou-se Campeão Mundial de Futebol, esse acontecimento acelera e desenvolve o futebol em São Cristóvão.

Até então, os clubes de futebol eram: o Guarany da São Gonçalo, remanescente do Botafogo e Ideal; o Palmeiras da Avenida, herdeiro do União Fabril e do São Cristóvão; o Veterano ligado a Colônia de Pescadores, havendo ainda o Corinthians de Zé das Cocadas, o Santa Cruz e a Portuguesa da Colônia.

Entretanto, algo atípico ocorreu no final de 1958, a fábrica São Gonçalo enfrentou uma séria crise, chegando a parar durante meses, retornando suas atividades no segundo semestre de 1959, já pertencente ao Grupo Votorantim. Seu time de futebol foi desativado pois seus jogadores foram demitidos.

Em 1960 já com nova administração a São Gonçalo contrata uma equipe de assistentes sociais que passam a incentivar práticas comunitárias junto a população da sua vila. O time de jovens, chamado Juvenil de Vila inaugurou o Camp Mar Club, conhecido popularmente de Juventus. Além do futebol, outros esportes despontaram em São Cristóvão, o Voleibol, por exemplo, teve liderança de Erundino Prado Neto, que montou um time com seus colegas de escritório da São Gonçalo, no início dos anos 60.

Em 1962, o Sr. Romualdo Prado, escrivão e ex-vereador, foi eleito prefeito e a partir desse momento a cidade teve grande impulso em todos os aspectos do seu cotidiano. Sua administração séria e sóbria não foi atingida nem mesmo pelo regime militar. Realizou calçamentos, reformou praças, iniciou a via de acesso a BR-101 também em fase de construção e outras melhorias das condições de vida dos munícipes. Seu feito maior foi a construção do Ginásio de Esportes, que tornou-se a sede todos os esportes, aparecendo sobremaneira o basquetebol, treinado por Adonias. O destaque desse time ocasionava amistosos com a seleção sergipana que atraia um público exaltado.

Além do basquete, apareceu Futebol de Salão nos anos 70. Foi nessa época que o Sr. Manoel Ferreira idealiza e realiza seu maior feito. Aproveitando uma campanha deflagrada em todo o país, ele forma um grupo coeso com Dr. José Bonifácio Fortes Neto, Elísio Carmelo, Romualdo Prado, Elisiário Azevedo, professora Araceles Rodrigues e outros abnegados como Manoel Políbio, Juviniano Freire e Juca Valença, contando ainda com o apoio irrestrito das fábricas e do comércio local, fundam em 1960 o Ginásio da C.N.E.G (Campanha Nacional de Educandários Gratuitos). Este originou o atual Colégio Estadual Paulo Sarasate. Suas aulas começaram em 1961, com duas turmas de 79 alunos, funcionando no atual prédio da Secretária Municipal de Educação. A primeira turma concluiu o nível primário em plena “revolução”, ou seja, em 1964. Dentre os formandos estavam Horácio Souza Lima, Gabriel Montalvão, Nivaldo Araújo, Fátima Correia, as senhoras Nalmira Barroso, Edileuza Góis, Maria da Paixão, Bernardete Souza Lima, Rivanda Carmelo, etc. A importância do CNEG deve ser destacada especialmente por causa das dificuldades encontradas para estudar na capital. O problema maior era a falta de transporte. O ônibus de Zazá dava duas viagens São Cristóvão/Aracaju, já o trem suburbano fazia apenas uma. O trem da quarta-feira era o famoso “Estrela do Norte” ou trem Azul.

Estamos em plena efervescência dos anos 60, com o Camp Mar na Vila, o Candango’s na Avenida, com o Banho Morno na cidade alta, com a Bica dos Pintos e a de Rita Cacete, os banhos da Maré e do Paramopama, os campos de futebol sempre lotados. Ainda tínhamos o nêgo fugido a pinbarra, o pinhão, a bola de gude, a castanha de toque e outros divertimentos prazerosos.

FALÊNCIA – Nos anos 60, porém, nem tudo era divertimento. A crise atingiu a Cia. Industrial São Gonçalo e mesmo sob o comando de um grupo bem sucedido em São Paulo ela paralisou sua cadeia produtiva em 1968. Não houve meio termo, todos os empregados foram demitidos, ficando uma pequena equipe para cuidar da manutenção e conservação do prédio. Seus dirigentes não tinham vínculo afetivo com os sancristovenses.

Quanto a Pedro Amado – como era conhecida a Fábrica São Cristóvão - a questão foi mais chocante e dramática, pois havia um vínculo afetivo muito forte entre patrões e empregados. Afinal eram três gerações de convivências entre os segmentos. Nessa sucederam-se tentativas de sobrevivência, a mais visível foi a contratação de três técnicos da SUDENE para tentarem melhorar a produção e por conseqüência melhorar a qualidade dos tecidos produzidos. Tudo estava indo bem, porém num acidente de viagem a Recife, dois morreram e não foram substituídos. Numa tentativa desesperadora um coronel aposentado, depois um capitão da Aeronáutica gerenciaram a empresa.

Além da crise econômica e política que o país atravessava, os problemas técnicos das fábricas se sobressaíam. Não havia matéria-prima de qualidade, o algodão deixava muito a desejar. O maquinário totalmente obsoleto não dava condições de competitividade com as fábricas de Aracaju e, principalmente, com as grandes do nordeste, já assistidas pela SUDENE.

Como já foi dito, a Companhia São Gonçalo encerrou suas atividades em 1968. Dois anos antes, famílias e famílias deixaram a cidade. Aracaju, Alagoas eram destinos certos, mas foi para a Bahia que o êxodo se acentuou. Muitos voltaram, outros constituíram família por lá e nunca mais. Em 1977 a Pedro Amado dá seus últimos suspiros. Seus operários, através de uma disputa sindical-trabalhista conseguiram a posse das casas da vila como indenização. A razão social das fábricas permaneceu ativa até o início da década de 1980. Desde então São Cristóvão assumiu a condição de cidade dormitório.
Atualmente, vislumbramos duas possibilidades no futuro da cidade: vir-a-ser pólo de turismo ou retornar a condição de cidade industrial, sendo que uma não inviabiliza a outra.

* Graduado em História pela UFS; Professor da Rede Estadual de Educação e membro do Rotary Club São Cristóvão. E-mail: luciotha@bol.com.br
FONTES DE PESQUISA:
SILVA, José Lúcio Batista. O surgimento da indústria e do operariado têxtil em São Cristóvão (1912-1935). São Cristóvão, 200. Monografia (Licenciatura em História - DHI), Universidade Federal de Sergipe.
Não publicada.
SILVA FILHO, José Thiago da. São Cristóvão: de pólo industrial a pólo turístico. Revista dos Municípios. Aracaju, 2002, p. 237-238.
THOMPSON, Edward P. A formação da classe trabalhadora na Inglaterra. 3 vol. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

Um comentário:

  1. trabalho um tema semelhante sobre são cristóvão e gostaria de ter informações e trocar idéias sempre que possível! Aguardo contato!
    Abraços!

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