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Monteiro Lobato e sua primeira obra infantil |
Dedicado a Luiz Antônio Barreto (1944/2012), in memoriam
Thiago
Fragata*
Hoje, 18 de abril,
dia do livro infantil é também celebrado dia do Amigo e dia dos monumentos. Lamentavelmente,
a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2011 realizada pelo Instituto Pró-livro
revelou que maioria dos brasileiros consultados não reconhecem o livro como um amigo
pronto a distrair, reconfortar e ensinar. E, se não valorizam o livro talvez nunca
venham conhecer quem foi Monteiro Lobato (1882/1948) e a sua obra que é um
monumento. Não foi difícil redigir parágrafo juntando as palavras livro, amigo
e monumento; no entanto, será impossível resumir a importância desse intelectual
para o mercado do livro e literatura infanto-juvenil brasileira.
Para esclarecer
o impacto da obra lobatiana no Brasil e sua crescente aceitação, - leia-se
formação de leitores encantados com a publicação de A menina do narizinho arrebitado, em 1921 - consulto uma crônica
de Graciliano Ramos desse mesmo ano. O autor de Vidas Secas relembra amargurado o sofrimento das crianças
matriculadas nas escolas que semelhante aos cárceres aplicavam leitura como uma
atividade punitiva. Assim depõe J. Calisto, seu pseudônimo, num jornal de
Palmeira dos índios, Alagoas, edição de março:
“Sofro com o
sofrimento delas. E é por isso que detesto o livro infantil. Detesto-o
cordialmente. Aquelas coisas maçadoras, pesadas, estopantes, xaroposas, feitas
como que expressamente com o fim de provocar bocejos, revoltam-me. Espanta-me
que escritores componham para a infância pedantices rebuscadas, que as
livrarias se encarregam de fornecer ao público em edições que, à primeira
vista, causam repugnância ao leitor pequenino; embasbaca-me que professores
reproduzam fonograficamente aqueles textos indigestos; assombra-me ver aquilo
adotado oficialmente. Odeio o livro infantil. E odeio-o porque sei que a criança
o não compreende (...) Almas danadas me obrigaram a ler Camões aos oito anos (...)
A escola primária! Não me é agradável a recordação dela. Os livros infantis!
Que livros! São paus de sebo a que a meninada é compelida a trepar,
escorregando sempre para o princípio antes de alcançar o meio, porque afinal
aquilo é um exercício feito sem o mínimo interesse de chegar ao fim”. (1978, p.
66 e 68)
De outra parte, chega
nas livrarias naquele 1921, a obra A
menina do narizinho arrebitado; e sua tiragem, 50 mil exemplares, é
considerada alta mesmo para o nossos dias. Edgard Cavalheiro ensaiou explicar as razões
da extraordinária repercussão dos livros infantis de Monteiro Lobato a partir desta
obra inaugural.
“Extrema
objetividade das narrações. Tudo é direto, preciso. Nada de rodeios inúteis ou
de retórica pedante. As coisas possuem nomes próprios e o autor tem sempre o
bom-gosto de não os mudar por outros mais bonitos. Fogo é fogo mesmo e não
lume. O sol jamais surge xingado de astro-rei (...) se a linguagem é o que há
de mais simples e claro, como serão as histórias? Partindo do princípio de que
tudo é maravilhoso para a criança, dentro do universo da criança Lobato
considera, muito logicamente, que nada existe de impossível ou de irrealizável,
para ela (...) naturalmente, que além da distinção do real e do irreal, há
outras coisas que fazem dos livros infantis de Monteiro Lobato os mais
procurados de todos os livros infantis que se escreveram até hoje no Brasil, ou
melhor, na América. É de grande importância ressaltar o nenhum intuito
moralizador dos mesmos - a velha moral do bom premiado e do mau castigado (...)
que faz Monteiro Lobato? Simplesmente mostra que este mundo é dos espertos. Que
a inteligência bem orientada acabará sempre vencendo a força bruta (...) o
intuito da obra de Monteiro Lobato não é, portanto, o de moralizador, e sim o
de ensinar. Divertindo, num tom alegre e sadio, ele ensina história e
geografia, gramática e aritmética, folclore e mitologia, ciência e tudo o mais
que constitui a tortura dos cérebros infantis, nas escolas e colégios”. (1968, p. 44 e 46-47)
Confrontando os
trechos selecionados, temos um insight do que representou a literatura infantil
de Monteiro Lobato, de Narizinho arrebitado ao fantástico Sítio do
Picapau-Amarelo que ganhou várias edições para televisão. Sua literatura não representa
castigo mas divertimento; linguagem não é rebuscada mas direta, clara e
objetiva.
A obra de
Monteiro Lobato é objeto de pesquisas as mais diversas, algumas para ampliar os
detalhes da sua contribuição ao mercado do livro no Brasil e a promoção da
literatura infanto-juvenil, outras para identificar falhas e discriminação na
construção de personagens negros. Racista, eugenista e até de nazista ele já
foi diagnosticado segundo sua obra. Justo ou injusto? Não irei discutir isso
neste 18 de abril, dia alusivo ao seu nascimento, sei que o mundo fantasioso que
criou não ofereceu posições dignas aos negros, ou seja, sua imaginação não
transcendeu a visão de mundo conservadora; ele era inelutavelmente filho de uma
sociedade preconceituosa, um de seus expoentes. Como ainda vivemos nesta mesma
sociedade hipócrita e intolerante do tempo de Lobato que tal festejar esse dia
valorizando o livro infantil. Faça isso e esqueça Lobato! Lamento informar: não
há como valorizar a literatura infantil partindo do zero, isso por causa de
Monteiro Lobato, esse homem-livro, amigo e monumento.
*Especialista em História Cultural pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), membro do Grupo de Pesquisa História Popular do Nordeste (GPHPN/CNPq) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS/SECULT). E-mail: thiagofragata@gmail.com
FONTES DE PESQUISA:
CAVALHEIRO,
Edgard. Vida e obra de Monteiro Lobato. In:__. LOBATO, Monteiro. Urupês. São Paulo: Editora Brasiliense,
1968.
RAMOS,
Graciliano. Traços a esmo. In: __. Linhas
tortas. 6º. Rio de Janeiro: Editora Record, 1978.
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